Azul é a Cor Mais Quente



Por Gabriel Fabri

A personagem Adèle se imagina na cama com uma jovem de cabelos azuis, com quem cruzou olhares na rua e ficou transtornada. Após sentir prazer com essa fantasia erótica, a garota chora. Essa cena é fundamental para entender Azul é a Cor Mais Quente (La Vie D’Adèle, chapitre 1 et 2)de Abdellatif Kechiches: a questão do desejo, do autoconhecimento e da homossexualidade estão ai presentes e são os temas centrais da obra, que busca dar conta da complexidade da vida da personagem, como sugere o título original, e, para isso, transcende qualquer superficialidade, como a ideia de que um momento de prazer seja necessariamente um momento de felicidade.    
A trama, dividida em dois capítulos, acompanha o cotidiano de Adèle (Adèle Exarchopoulos), no início ainda estudante de um colégio. Aparentemente tímida em relação aos garotos, a menina guarda uma angústia em segredo: ela teme sentir alguma atração por mulheres. Enquanto passa por essa fase de crise interna, conhece Emma (Léa Seydoux), com quem começa a experimentar um novo mundo, em relação ao amor, ao sexo, à sociedade e a si mesma. Após essa primeira jornada intensa de descobrimento, o capítulo dois mostra novamente a personagem em crise, o que desencadeia uma outra fase de descobertas.
A característica mais marcante da direção de Kechiche é o uso de closes. A todo o momento, a câmera gruda nos atores, tentando ficar o mais próximo possível dos seus personagens, mostrando muitos detalhes. O efeito parece o de realmente entrar na intimidade dos personagens, ou pelo menos criar a ilusão de que o público está próximo deles, após a sensação estranha de ver na tela macarrão sendo mastigado ou um nariz escorrendo em meio à lágrimas, por exemplo.
Esse estilo de direção exige muito do elenco, em especial das duas atrizes principais. O que dizer então das polêmicas cenas de sexo? O diretor percorre o corpo das atrizes, filmando a textura da pele, as expressões faciais e, claro, o ato em si, de maneira totalmente explícita. A sequência da primeira vez das protagonistas poderia ter saído de um pornô, tamanha a ousadia, se não fosse nada mais do que mostrar uma relação sexual de maneira crua, sem tentar maquiá-la, não inserindo nem trilha sonora. Extensa na duração (6 minutos, segundo o diretor), com foco nos mínimos detalhes, a cena resume a essência do sucesso do filme: a construção lenta dos personagens e das situações, a atenção aos detalhes. Alguns poderiam acusar Kechiche de exagerar demais sem necessidade, mas seria covarde se esquivar de mostrar cenas tão explícitas de sexo quando o longa é todo construído nos pequenos detalhes. Até porque a percepção da diferença entre as experiências de Adèle é importante para o público entender a personagem, para além de rótulos sociais.
A personagem principal, além de contar com a excelente atuação de Adèle Exarchopoulos, adquire uma complexidade alta, proporcionada não só pela direção, mas pelo roteiro que, beneficiado pela longa duração do filme, trata de grandes questões existenciais sem atropelos, com profundidade. Léa Seydoux também não deixa nada a desejar em seu papel, que ganha maior destaque na segunda parte do filme.
Azul é a Cor Mais Quente é um filme ousado e complexo, apesar da aparente simplicidade. Trata-se, sobretudo, de uma obra não apenas sobre homossexualidade, mas sobre o desejo – a eterna lacuna que nunca é preenchida no ser humano, que o faz querer mais e mais, que motiva Adele a tentar se encontrar. Sobre as delícias e as dores da jornada de autodescobrimento. E, por fim, sobre um amor que nasce, atinge o seu ápice e vai se esvaindo, como em uma relação sexual – ou, se preferir, como se a relação com Emma fosse o grande orgasmo da vida de Adèle.

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