Por Gabriel Fabri
Há um bom tempo que as animações deixaram, em sua maioria, de ser meros entretenimentos para as crianças. As melhores se tornaram filmes também para adultos, provocando os pais a pensarem junto com os filhos. Mesmo assim, obras como Up – Altas Aventuras ainda são um raro exemplo de produtos extremamente criativos, tocantes e encantadores, mas que também podem suscitar discussões intermináveis sobre a vida e as relações entre as pessoas, sendo alvo até das instigantes e introspectivas colunas de Eliane Brum. Impossível não pensar nessa animação da Pixar quando se vê uma girafa viajando de balão no longa de Rémi Bezançon, Zarafa. Um longa que também tem um quê de provocação, embora muito mais política do que intrapessoal.
Zarafa é inspirada na chegada da primeira girafa à França, em 1827, poucos anos antes da invasão da Argélia pelo país. O ponto de partida da história é a fuga do menino Maki, recém-capturado por um traficante de escravos. Ele encontra um grupo de girafas e passa a andar com ele, mas logo uma delas é assassinada pelo seu sequestrador, que diante de um impasse com um homem misterioso, não captura Maki de novo. O garoto começa então a seguir seu salvador, que capturou o filhote do grupo à pedido do rei do Egito.
Longe de ter uma estrutura muito criativa, Zarafa acompanha o menino na busca de cumprir sua promessa (trazer a girafa de volta para casa), nem que para isso seja preciso desafiar um rei. Um recurso interessante é o velho que conta a história de Maki para as crianças de sua aldeia, ilustrando os personagens com bonequinhos e tornando mais didático ao espectador jovem algumas passagens “difíceis” da história, como, por exemplo, o significado de uma “miragem”.
Zarafa aborda temas comuns ao universo infantil, como a amizade, a ausência de pais e o amor pelos bichinhos. Entretanto, traz questões mais complexas. Além do evidente repúdio aos escravocratas, o preconceito é a principal crítica social do filme. Maki, em determinada cena, é chamado de “macaco” pelo rei da França (provável alusão a Carlos X). Esse personagem é caracterizado de maneira boçal, numa clara crítica a sua postura imperialista e conservadora.
Corajoso, Maki grita que o verdadeiro animal não é a girafa, mas o rei. De maneira inocente, o protagonista é ousado, não apenas por lutar pelo o que quer, mas por falar o que pensa. Ele é uma criança negra, africana, desafiando o país mais elegante da Europa, numa época em que a monarquia ainda estava em voga. E é com esse personagem inusitado que as crianças de hoje irão se identificar e torcer. Identificação que será ainda maior com todas as passagens de dor exaltadas, por meio de lágrimas nos olhos de Maki e dos animais ou cenas como a envolvendo um tiro à queima roupa, no clímax do filme, incomum e improvável no cinema infantil.
Por trás de um filme sem os recursos sofisticados das animações em 3D e de aparente simplicidade, que pode tornar a sessão um tanto enfadonha para os adultos, Zarafa é uma obra que transpira questões políticas e sociais. Pode não ser uma obra muito atrativa, mas a importância dos assuntos abordados por ela é nítida.