O Médico Alemão
Por Gabriel Fabri
A indústria mundial de brinquedos uniformizou, de certa forma, a produção de bonecas, com a predominância das Barbies no cenários internacional. Elas refletiam (ou refletem) o padrão estético de beleza norte-americano. Entretanto, o novo filme de Lucia Puenzo, O Médico Alemão (Wakolda), longa escolhido para representar a Argentina no Oscar 2014, não visa discutir conceitos de indústria cultural. Com um montante de bonecas fabricadas em série, por sugestão do tal doutor do título brasileiro, o filme critica metaforicamente o nazismo por tentar estabelecer um padrão social uniformizado para as pessoas, representadas nesses objetos.
A trama é bem simples: uma família resolve se mudar para Bariloche, ao norte da Argentina, para reabrir um hotel, que estava desativado. Na estrada deserta, são seguidos por um misterioso médico alemão, que teme se perder pelo caminho. Ele havia demonstrado um perigoso interesse em Lilith, menina de 12 anos que aparentava ter bem menos do que tinha, pois crescia bem abaixo do esperado. Ao chegar ao destino, o doutor resolve se hospedar no mesmo hotel com a família.
O longa se vale de recursos semelhantes aos usados por Hitchcock em A sombra de uma dúvida (1943). Numa casa de família, chega um hóspede misterioso – um tio distante, no caso desse clássico – que faz de tudo para agradar os anfitriões. Como desconfiar de alguém tão amável? Apenas o público, ciente de que o inquilino esconde algo, que “sofre” com momentos de tensão. Essa conhecida técnica visa antecipar o suspense, uma vez que a espera por algo acontecer, quando já se o antecede, é mais aterrorizante do que o acontecimento em si.
Apesar de manjada, a técnica é, quando bem utilizada, uma das melhores para se construir o suspense numa narrativa, seja ela audiovisual ou não. Todavia, em O Médico Alemão, ela não se sustenta até o final da projeção. O início do filme, ao sugerir de cara que existia algo de errado com o personagem do médico, talvez até algum impulso de pedofilia, mostra-se interessante o bastante para prender de cara a atenção do espectador. Mas logo se percebe que a história, baseado em fatos reais relatados pela própria diretora em livro, pode cair no lugar comum. E cai, falhando na construção de um clímax que poderia ser angustiante.
O Médico Alemão, se lido na chave que sugere o título original, mostra-se um longa com boas questões para serem postas em debate. Wakolda é o nome da boneca preferida de Lilith, justamente por ser a “mais esquisita”. É com esse objeto, diferente dos outros, que a protagonista se identifica. O nazismo pode ter acabado, mas a tentativa de tornar todos os seres humanos padronizados continua, mesmo que de maneira involuntária. E o longa se manifesta contra isso. São as imperfeições, as diferenças, os “defeitos” que nos tornam quem somos, e isso não pode se apagar em detrimento do que os outros querem de você. E, assim como a boneca, o filme também tem lá as suas imperfeições.