Sniper Americano

Por Gabriel Fabri
Muita da controvérsia em torno de “Sniper Americano”, uma das surpresas na lista de indicados ao Oscar 2015, premiação onde concorre a melhor filme, são as acusações de que o longa-metragem glorifica a guerra, limpa a imagem do atirador ou denigre os iraquianos. A obra dirigida por Clint Eastwood é talvez a mais polêmica dessa edição, e tem gerado muita discussão política. Só por isso, já é um ponto positivo para o diretor.

Baseado no livro de memórias de Chris Kyle, conhecido como o franco-atirador mais letal da história dos EUA, o filme faz um retrato biográfico do personagem, que faleceu em 2013, pouco antes do início das filmagens. O foco são as quatro missões de Kyle (interpretado por Bradley Cooper, indicado ao Oscar pelo papel) na guerra do Iraque. 
O longa-metragem acompanha as dores do personagem ao fazer o seu trabalho. Embora humanize Chris Kyle, expondo a dificuldade do seu ofício, o filme não limpa a sua imagem: ao contrário, age contra a sua glorificação. Tido como herói nacional, o atirador chegou a ganhar um dia em sua homenagem no Texas, e o longa expõe, com violência e brutalidade, o porquê: numa paranoia nacionalista, ele matou mais do que os outros, numa guerra sem sentido, movido por prepotência e um ego inflado. Difícil imaginar onde as pessoas viram glorificação da guerra em um filme que abre com uma cena extremamente tensa, onde o atirador tem que decidir se assassina uma mulher e uma criança que estão carregando uma granada.
Não há glória na guerra, apenas barbárie, e isso fica claro no filme. O que torna mais interessante ainda as cenas nos créditos, que mostram imagens reais do funeral de Kyle: a glorificação que ocorreu em torno dele é um retrato de uma sociedade doente, que precisa de ajuda, assim como o personagem claramente precisava. Afinal, estava traumatizado, e tal trauma, segundo o próprio em uma cena do filme, mal tinha relação com os assassinatos que cometeu. O peso na consciência é por não ter conseguido salvar alguns companheiros, mostrando o quanto esses soldados tinham de alteridade em relação ao que chamam pejorativamente de “selvagens”, palavra que Kyle usa no próprio livro para descrever os iraquianos. Eastwood pode até ser um republicano conservador, mas seu filme se parece mais anti-guerra do que uma propaganda bélica, uma vez que mostra o quão longe vai o ultranacionalismo norte-americano ao desnudar o quanto o personagem principal é consumido por ele. 
O longa-metragem, entretanto, peca pelo excesso de cenas de ação. Poderia até aumentar a dose de violência, caso diminuísse a duração das cenas de batalha, que acabam se tornando arrastadas e cansativas demais. A tortura que é assistir a “Sniper Americano” talvez seja intencional, o que é mais um ponto para vê-lo como um filme crítico à guerra do Iraque. Se não, é um ponto fraco do filme, que tem os seus melhores momentos quando o personagem está nos Estados Unidos, entre suas idas ao combate. Reforça a postura crítica à guerra o destaque dado a personagem de Sienna Miller, a esposa de Kyle, crítica à postura do marido com relação ao trabalho.
“Sniper Americano” é um daqueles filmes muito difíceis de assistir, não só por ser pesado mas também por ser arrastado demais. Entretanto, gera discussões, questionamentos, em torno da guerra, do personagem principal e também dos valores em voga na sociedade ocidental. Kyle é humanizado, mas isso não significa que ele é idealizado. Que ele foi considerado um herói, isso é um dado factual. Agora, que Eastwood tenha o retratado dessa forma, só mesmo se você acredita nisso.

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Um comentário em “Sniper Americano

  • 18 de fevereiro de 2015 a 20:16
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    Acho que a humanização não está muito longe assim da idealização, uma coisa meio que leva a outra. A tentativa de "limpar a barra" do protagonista é muito evidente. Existe um viés político muito forte por detrás desse filme.

    Crítica muito bem explanada! Também fiquei abismada com aquela glorificação toda nas cenas do funeral.

Comentários estão encerrados.

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