O Botão de Pérola
Em 2010, o documentarista chileno Patrício Guzmán registrou o céu estrelado do Deserto do Atacama, no Chile, em Nostalgia da Luz, um documentário que foi se revelando, aos poucos, um filme sobre a ditadura chilena e os seus resquícios. Na ocasião, ao mesmo tempo em que registrava as belezas das paisagens, Guzmán revelava a realidade das mulheres que procuram os restos mortais de seus maridos ou filhos, desaparecidos no governo Pinochet e que tiveram os seus corpos atirados no deserto nos chamados “voos da morte” – após as torturas seguidas de mortes, ditaduras como a chilena jogavam os corpos de aviões e helicópteros para desaparecerem com os vestígios.
O novo documentário de Guzmán, O Botão de Pérola, repete a mesma ideia, ao olhar para outro aspecto geográfico do Chile: a longa extensão da costa oeste, virada para o Oceano Pacífico. O diretor olha agora para a água e passa boa parte da projeção explorando os seus significados, com foco nas relações das comunidades indígenas do Sul com o mar. Aos poucos, Guzmán constrói a sua crítica ao genocídio da cultura indígena, até relacioná-lo ao outro genocídio que marcou a história do país e da América Latina: a ditadura militar.
Responsável também pela trilogia A Batalha do Chile, o cineasta tem na ditadura militar um tema caro, uma vez que ele teve que se exilar após o golpe de Pinochet em 1970. Em O Botão de Pérola, além de repetir a façanha de capturar belas imagens da geografia chilena, Guzmán aprofunda a crítica construída em Nostalgia da Luz, que só ganha mais força com a comparação da ditadura com a colonização dos índios, e os depoimentos melancólicos dos indígenas que sobraram, tão esquecidos quanto a paisagem gelada ao sul do país. O esquecimento é um tema central aqui: esqueceu-se dos índios, das águas, dos “desaparecidos”, de punir os torturadores e os assassinos. Em tempos de golpe parlamentar no Brasil, fica claro o quanto discutir esses assuntos é importante – os golpes militares geraram consequências nefastas, como mostra o filme, e sabe-se lá o que essas agressões à democracia travestidas de falsa legalidade trarão de ruim. O fato é que o cheiro dos golpes do passado estão frescos hoje – e, veja bem, até algo que aconteceu antes mesmo do Chile ser chamado de Chile também deixou as suas cicatrizes e feridas abertas até hoje.
Algumas imagens são particularmente memoráveis: o mapa do chile colocado em uma caixa branca, que lembra um caixão, onde se vê a palavra “frágil”. Um país moribundo ou um país como mercadoria? Em segundo, a simulação dos voos da morte, em que são atirados dos helicópteros falsos cadáveres. O público sabe que aquilo é encenado, mas a imagem é de arrepiar.
| Gabriel Fabri