A Criada

Após fazer sua estreia em Hollywood com o longa-metragem Segredos de Sangue, o sul-coreano Park Chan-Wook retorna ao país de origem para fazer aquele que talvez seja o filme mais impactante de sua carreira: A Criada (The Handmaiden), thriller sobre o desejo sexual e a ganância ambientado na época em que a Coréia esteve sob ocupação japonesa.

Na casa de um japonês colecionador de livros,  Hideko (Kim Min-Hee) vive como uma princesa, aguardando o seu casamento forçado com o proprietário. Ela é dona de uma grande fortuna e está trancafiada nos aposentos do velho a espera do matrimônio que fará com que ele herde todo o seu dinheiro. Entretanto, um vigarista, o falso conde Fujiwara(Jung-woo Ha), tem planos de seduzir a dama, casar com ela e trancafiá-la em um hospício, fugindo com a grana. Para colocar em prática a estratégia, o homem usará Sookee (Kim Tae-ri), a nova criada, a quem prometeu uma parcela do dinheiro. Mas ela vai descobrir que, diante da beleza e da inocência de Hideko, enganá-la não será tão fácil quanto planejado.

Mostrando uma habilidade de envolver o espectador ainda maior do que a já vista em filmes como Lady Vingança e Oldboy, mesmo sem contar com uma reviravolta mirabolante como a do último, Park Chan-Wook seduz o espectador da primeira até a última cena. Entretanto, seu interesse é mostrar o quanto as aparências enganam, o que torna A Criada muito mais do que um filme em que um casal de coreanos pobretões tentam enganar e passar a perna na japonesa rica e solitária, ela mesma uma vítima também do homem com quem mora. Em outras palavras: depois de nos fazer acreditar em tudo o que víamos ao longo do filme, Chan-Wook quebra a ilusão logo na metade da projeção, mudando o foco da história e recontando-a a partir do ponto de vista de outro personagem.

Parte da força do filme está no roteiro bem-estruturado, que faz com que essa “revisão” dos acontecimentos já mostrados não se torne enfadonha, ou melhor, seja realmente interessante e essencial para o desenvolvimento do filme. Isso também aprofunda o envolvimento dos personagens, em especial com as duas mulheres. É nelas que a atenção do espectador repousa ao longo da projeção, em especial por começarmos a companhar o filme a partir do ponto de vista de Sookee. A criação de Hideko como uma mulher ingênua e reservada, uma vítima misteriosa em suma, funciona tão bem ao ponto de que o filme não poderia cogitar seguir em outro caminho que não a de uma atração sexual entre as duas mulheres. E a câmera de Chan-Wook faz questão de estar bem perto das duas, mostrando até a língua da personagem prestes a fazer um oral na outra, quase como se dizendo que não havia nada a se esconder, seduzindo o espectador o levando para dentro da intimidade das duas.

Se a sociedade ainda hoje registra em abundância casos de repressão às mulheres, a saga de libertação sexual retratada em A Criada, um filme sobre falsas aparências, parece ainda mais ousada para o contexto da época em que se passa a narrativa. Vingança, sadomasoquismo e ganância são alguns dos assuntos que o longa-metragem aborda para contar essa história, que mostra que, no fundo, o amor pode ser maior que uma guerra, maior que o dinheiro e talvez até maior que a repressão masculina, em uma sociedade em que os homens parecem sempre ditar a regra, em que a única saída para Hideko se livrar de seu algoz é fugir e se casar com um homem igualmente desprezível, por exemplo. Uma sociedade em que só os homens tem a liberdade, mesmo que limitados a uma certa discrição, de satisfazer os seus desejos.

Por Gabriel Fabri

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