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Diário da 37a Mostra - Vol. 5 - Pop with Popcorn

Diário da 37a Mostra – Vol. 5

O diário da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo chega ao seu último post! Nesse volume 5, mais dicas de longas para assistir. De filme brasileiro a iraniano, tem para todos os gostos. 


Pop with Popcorn, pelo segundo ano consecutivo, traz algumas dicas para os nossos leitores não ficarem por fora do maior evento de cinema de São Paulo. Nessa edição, foi feita uma série de pequenos “diários” com os filmes vistos a cada dois ou três dias. Para acompanhar a série completa, clique aqui e confira o especial. Em breve será publicado o ranking com os melhores filmes, fique de olho!

Confira o nosso 5º especial da jornada:

16) Exilados do Vulcão

Vencedor do Festival de Brasília, esse filme de Paula Gaitán cria uma bela e impressionante experiência onírica. Em contraponto ao caos urbano, Exilados do Vulcão coloca o espectador em contato com a natureza e, assim, com o interior de sua personagem principal, estrelada por Clara Choveaux.  

O filme acompanha uma mulher buscando refazer os passos de seu falecido amado, morto num incêndio. Em sua jornada, a personagem é acompanhada por uma narração em off com algumas de suas reflexões, não muito esclarecedoras, se não o contrário: o objetivo aqui é convidar o espectador a entrar nessa viagem pelas memórias, pela imaginação, pelos sonhos da protagonista, e pelo contato com a natureza e com as relações humanas, sem a interferência da tecnologia. Sem querer explicar tudo a quem assiste. 

Uma experiência sensorial, que apela não só para belas paisagens e para a beleza de Choveaux, como bebe – e deixa isso explícito – na obra de Abbas Kiarostami, proporcionando um cinema de contemplação. Mas não só, pois Exilados no Vulcão traz em sua atmosfera de sonho e em sua narrativa alinear (passado, presente e, suponho, uma projeção de um futuro se misturam) uma provocação mais que bem vinda para o espectador construir o filme junto com ele em sua cabeça, enquanto sente a experiência da personagem como se fosse ela própria. Lembro de uma frase que Suzana Amaral me disse em entrevista, que se referia ao seu Hotel Atlântico, mas parece se encaixar perfeitamente com o filme de Gaitán: “o sentido do filme é não ter sentido”. Assim, o espectador tira de sua própria experiência o sentido que quer construir para a obra. Como entender um sonho? Exilados abre o espectador para esse desafio.

Totalmente sem diálogos, predominam na obra os sons ambientes, como o barulho dos passarinhos, do vento, ou também do trator e dos trens que invadem essa paisagem natural. No começo do longa, a narradora fala que “escrever é calar-se”. Calar-se é sentir o redor, escutar os seus sons. O silêncio dos personagens vale mais do que mil palavras. Na questão sonora, Exilados pode ser um contraponto ao O Som Ao Redor: no filme de Kleber Mendonça Filho, o som é opressor, enquanto no outro, o som parece algo libertador – ou, pelo menos, o som da natureza. Ambas as obras, assim, podem ser consideradas, apenas pela questão sonora, uma crítica ao mundo urbano. O exílio do título é a fuga desse ambiente urbano, esse vulcão prestes a explodir todos os dias, no caos, no stress, na superficialidade – questões que Exilados do Vulcão parece mostrar que são superadas, apenas com o contato com o interior de si mesmo ou com a natureza.

17) Cortinas Fechadas



O novo filme do diretor Jafar Panahi é um constante diálogo com sua obra anterior, Isto Não é Um Filme, “manifesto” contra a sua proibição de filmar imposta pelo governo iraniano. O isolamento do personagem principal, que interpreta um roteirista que se fecha por trás de cortinas negras para se esconder com o seu cachorro, é uma metáfora clara para a prisão domiciliar de Panahi. É simples: como fazer um filme, sem sair da mesma casa, sem ver o mundo de uma maneira que não seja através de uma janela? Nessas condições, a alteridade é impossível, e os olhos para o outro são fechados. Ao escrever seus textos, o personagem não consegue sair de si mesmo. Com simplicidade, o diretor critica seu governo, apontando-o como cerceador não só de sua liberdade, como também de sua criatividade. 

Quando uma mulher entra em cena, ela passa a questionar esse isolamento. Um simples diálogo dá o tom da crítica à república iraniana: a personagem é suicída, mas ela comenta que o protagonista teria mais motivos para realizar tal ato. Num plano macropolítico, o filme assim critica também o perfil individualista e egocêntrico do ser humano hoje, além da associação direta entre o governo e a privação da liberdade. 

Essa misteriosa moça passa a ser questionada também, quando Jafar Panahi aparece em cena, gravando, mexendo nos objetos, interagindo, e, aos poucos, começa a ganhar maior dimensão no filme, em detrimento do papel principal, desestabilizando a obra e os sentidos construídos para ela até então. E, assim, paira no ar ainda mais o mistério em torno da mulher: se antes não sabíamos quem ela realmente era, o espectador se pergunta o que ela realmente é.   

18) Ana Arábia

Um dos filmes mais aguardados da Mostra, é dirigido pelo israelense Amos Gitai (Aproximação) e foi realizado em um único plano-sequência – ou seja, os 81 minutos do longa foram realizados sem cortes. Após dez tentativas, o resultado ficou pronto.

A câmera acompanha uma jornalista em visita a um vilarejo aonde coexistem, pacificamente, judeus e árabes. Ela vai, pacientemente, ouvindo as histórias dos moradores, deixando-os falar.

A escolha por realizar um plano-sequência parece ter sido feita mais para o diretor se auto-desafiar do que para agregar algum sentido à obra. Gratuita, a decisão por um único plano não agrega em nada. Pelo contrário, apenas mantém o espectador distante dos personagens, impedindo um envolvimento maior com as narrativas dos moradores. A distância e grande quantidade de coadjuvantes parece tornar tudo superficial, além de correr o risco do espectador, ao invés de tentado a refletir sobre a obra, se distanciar dela.  

19) Educação Sentimental



Dirigido pelo brasileiro Júlio Bressane, Educação Sentimental é um filme hermético, mas muito simples. O romance entre uma professora e um aluno é contado por meio do que talvez seja uma investigação da arte do cinema. Pois esta é, sobretudo, uma arte que concilia todas as outras e Bressane torna isso explícito. Os diálogos entre os dois (ou o monólogo da principal?), no início do filme, lembram uma palestra ensaiada – ou melhor, um texto teatral, bastante artificial, com uma entonação de voz por parte de Áurea (Josie Antello) que parece voltada a uma sala de aula ou a uma plateia.

Adentramos o coração da personagem ao longo do filme, por meio de suas citações literárias, sua música, sua poesia, seus quadros, o rolo de filme que ela guarda e suas performances de dança. É assim que ela se abre para o garoto, que mal conhecemos e nem o conheceremos. O público, por meio do apreço pela arte da protagonista, vai imaginando aos poucos quem é a Áurea, mesmo que para isso tenha que viajar mais para dentro de si mesmo, e tentar arrumar algum sentido em uma performance de dança supostamente aleatória que apareça, por exemplo.

Numa segunda leitura, Educação Sentimental pode ser uma subversão do erotismo, ao colocar Áurea demonstrando erudição ao invés de uma postura sedutora, carnal, para conquistar o rapaz. Mas fica claro, não só pela ênfase dada a todas as artes citadas, a discussão sobre cinema: o epílogo, uma série de cenas de bastidores, está aí para lembrar-nos de que tudo não passa de uma farsa e que o cinema é uma ilusão em que todos acreditamos, na qual os personagens não passam de marionetes.      

Veja também: Diário da Mostra, Vol. 1Vol. 2,Vol. 3, Vol. 4

Volte em breve para conferir a seleção dos melhores 37ª Mostra!

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