Na Estrada
O primeiro passo para Na Estrada (On The Road) se concretizar num longa metragem foi dado há 55 anos. Em 1957, Jack Kerouac, escritor beat que marcou uma geração e se tornou um dos grandes nomes da literatura norte-americana (cujo maior mérito é atribuído ao livro homônimo no qual o novo longa de Walter Salles se baseia), escreveu uma carta para Marlon Brando pedindo que o ator comprasse os direitos de seu recém-lançado romance. Kerouac estava entediado e queria interpretar o papel de seu alter ego Sal Paradise ao lado de Brando, que interpretaria o lendário Dean Moriarty. No tempo que separa o envio da carta e a estreia de Na Estrada no festival de Cannes em 2012, Francis Ford Coppola comprou os direitos e nomes como Gus Van Sant e Jean-Luc Godard foram desafiados para a adaptação. Sem sucesso, foi preciso um brasileiro para encontrar a direção certa para o filme ganhar vida nas telas.
A trama conta a história de Sal Paradise (Sam Riley, Control), a partir do momento em que encontra Dean Moriarty (Garret Hedlund, de Tron – O Legado) e sua vida toma um rumo hedonista. Dean é uma figura peculiar, inconsequente, e os dois não tardam a se tornar melhores amigos, seduzidos por vida sem grandes preocupações além de consigo mesmo, onde vigora o princípio Carpe Diem de aproveitar os momentos ao máximo. Focado nas relações entre os dois, o filme mostra a jornada na estrada de Sal à medida que ele vai desmembrando os Estados Unidos como um jovem que não tem um rumo certo a seguir. Bebidas, drogas, bebop, sexo, roubos e prostituição marcam a rotina desses jovens que se tornaram ícones da geração beat. Entre as personagens secundárias, as mulheres de Dean, Marylou (Kristen Stewart, de Corações Perdidos e Branca de Neve e o Caçador) e Camille (Kristen Dunst, Melancolia), o jovem Carlo Marx (Tom Sturridge) e Old Bull Lee (Viggo Mortensen), alter ego do escritor William S. Burroughs, famoso por The Naked Lunch, obra adaptada para o cinema por David Cronenberg.
O diretor Walter Salles, que já dirigiu consagrados road movies como Central do Brasil e Diários de Motocicleta, já merece aplausos por ter conseguido levar o livro às telas. A estratégia foi simples: organizar as narrativas importantes da obra (incluindo inclusive detalhes do manuscrito original, aquele escrito em três semanas e composto de um único e extenso parágrafo) de maneira que ficassem com menos voltas que no livro, como se a estrada fosse uma só. O resto, nem tanto: Salles percorreu todo o trajeto de Kerouac pelos Estados Unidos e, durante as filmagens, dirigiu seus atores para que trabalhassem de maneira espontânea. O papel feminino no filme também foi ampliado, dando mais importância a essas personagens.
Na Estrada é uma ótima adaptação, ainda mais com esses pequenos detalhes acertados por Salles. Como visto nos últimos trabalhos do diretor, é evidente o seu talento por trás das câmeras, ainda mais quando elas estão na estrada. Nenhum detalhe importante do livro é deixado de lado, sendo o filme uma boa síntese, com uma fotografia incrível. Entretanto, é uma obra que peca pelo seguinte detalhe: Jack Kerouac escreve com ritmo, inspirado no bebop, uma vertente do jazz, e o filme de Salles parece que perdeu a essência – é uma jornada que chega a ficar chata de se acompanhar, em alguns momentos. Mas, de qualquer forma, não é algo muito diferente do que acontecia no livro, que apesar de muito mais apaixonado, não é uma obra fácil também.
A cena em que Marylou e Dean dançam, muito animados, no meio do filme, é excelente para sintetizar o livro, e o filme também, cujo resultado é positivo. Ela, assim como outros momentos do longa, se encaixa perfeitamente com o espírito das páginas, onde Kerouac escreveu definições perfeitas para sua própria obra, como essa passagem, que salta aos olhos de qualquer um que ler as páginas: “pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam – como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante – pop! – pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos ‘aaaaaaah!’.” O efeito desse trecho no filme não consegue ser tão explosivo, infelizmente – faltou aquilo que Kerouac chama de “it”, um conceito tão forte que talvez seja a única coisa que Salles não conseguiu transpor. De qualquer maneira, não anula a grande quantidade de pontos positivos de Na Estrada, filme com força para concorrer aos grandes prêmios no final do ano.
Parabéns pela resenha. Sua análise é parecida com a minha.
Confesso que esperava um pouco mais de On the road. Mas o filme é ótimo!