Argo
Em 16 de janeiro de 1980, um anúncio de página inteira do filme Argo foi publicado no Hollywood Reporter e no Daily Variety. Apesar de nunca ter sido lançado, o longa foi um sucesso. Ele fazia parte de uma bem elaborada e arriscada operação da CIA de exfiltração em pleno Irã revolucionário. O resgate serviu como base para o novo filme de Ben Affleck, homônimo ao bem-sucedido plano. Entretanto, subestimando um pouco a avalanche de prêmios que o longa vem recebendo até aqui, não se pode falar o mesmo da obra, indicada a sete Oscars, incluindo Melhor Filme (categoria em que tem gigantescas chances de sair vitorioso).
No ano da revolução iraniana, 1979, a embaixada dos Estados Unidos no Irã foi invadida por parte da população com a exigência de que o governo americano mandasse de volta o xá, que era mantido sob asilo político nos EUA – ele havia governado o país com “mão de ferro” por 25 anos, segundo o próprio protagonista de Argo, Antonio Mendez, em seu livro sobre a operação – e agora os iranianos queriam a cabeça do governante. Por 444 dias, a embaixada esteve sob domínio dos irrequietos revolucionários, que tinham respaldo do governo provisório do Khomeini e mantinham como reféns diplomatas americanos. Durante a invasão, seis americanos conseguiram escapar e encontraram refúgio na casa de autoridades canadenses. A CIA, diante da incapacidade de se chegar a uma solução para os reféns, elaborou um plano para resgatar os seis hóspedes fugitivos. A operação, elaborada por Mendez (Affleck, no filme), precisou da ajuda de Hollywood para se concretizar.
Argo mistura realidade com ficção na tentativa de construir um filme mais ágil e dinâmico. Nos cinemas, a maneira como a operação aconteceu talvez não transparecesse tão incrível – a exfiltração foi feita sem uma gota de sangue derramado (por isso também é tão importante), resultado de uma ideia ousada de procedimento que ia contra regras de todos já feitos anteriormente, como a máxima de ”não chamar atenção” invertida ao contrário. Affleck preferiu o caminho fácil, tornando o filme mais hollywoodiano. Na operação, os seis foram disfarçados e embarcaram sem problemas – a emoção da história estava em todo o caminho percorrido pra chegar nesse resultado, tanto pela CIA como pelos fugitivos – enquanto no filme, apela-se para a tentativa de aproximar Argo de um blockbuster comum, mais palatável para grandes audiências.
Para que o longa funcionasse melhor, os fugitivos teriam que ter sido mais explorados. A tensão de poderem ser descobertos a qualquer momento, o drama da demora por um resgate, a sensação de esquecimento que eles sentiam foram negligenciados. Porque não mostrar um pouco da fuga deles da embaixada, no início do filme? Os atores que interpretam os fugitivos só tem o devido destaque em uma cena, quando discutem se vão aceitar ou não a ajuda da CIA. No fundo, o único personagem com quem há um certo envolvimento é o protagonista. E também o executivo de Hollywood, interpretado por Alan Arkin, que está ótimo em seu papel.
O filme entretém e diverte, como qualquer um de ação que a indústria americana faz tão bem. Também tem seus exageros, como a inventada sequência de ação envolvendo o avião, que mais pareceu uma solução de última hora para tornar o final mais interessante. Um ponto positivo é que Affleck joga limpo em um aspecto: logo no início, explica um pouco sobre a política iraniana antes da revolução, exaltando o envolvimento dos Estados Unidos e a influência desse país na política do Irã. Mostra que o que aconteceu na embaixada e o borbulhante ódio antiamericano é uma reação ao passado político iraniano, e que os EUA tem muita sujeira nessa história, usando seu poder pensando em seus próprios interesses. O Irã era um aliado estratégico não só pelo petróleo, mas também por sua proximidade geográfica com a URSS.
Argo é um filme mediano e poderia ser ainda melhor se não caísse em soluções fáceis para uma trama tão cheia de nuances e significados. Uma boa definição seria que a obra do Affleck é um “Bourne político” – no fundo, é um entretenimento que tenta não parecer raso. Entretanto, O Ultimato Bourne, por exemplo, bem mais inteligente e elaborado, não teve esse reconhecimento todo da Academia. O que tornou Argo especial? A homenagem a Hollywood (presente também no ganhador do ano passado, O Artista), a conotação política da situação delicada do Irã com os EUA que continua até hoje ou a necessidade de afirmar e exaltar que os americanos realizaram um dos mais improváveis resgates da história? Ou todos esse fatores juntos? Por fim, algo mais para pensar: o Irã prometeu levar aos cinemas sua versão dessa história. Depois de ver Argo, quantos vão se interessar pelo o que eles têm a dizer? Não será difícil para eles tocar em questões mais profundas ou espinhosas do que a obra de Affleck.