Um filme que fez história. O Sonho de Wadjda é um exemplar raro de cinema, por carregar consigo toda uma importância sócio cultural: ser o primeira longa metragem dirigido por uma mulher na Arábia Saudita. A diretora Haifaa Al-Mansour desponta com a nada fácil missão de mostrar para um mundo um olhar genuinamente local sob o país. Ela aposta numa narrativa simples, mas carregada de um simbolismo forte e uma ternura surpreendentemente encantadora.
Wadjda é uma garotinha que todos querem que seja comum, que siga as regras de disciplina impostas pela sociedade, pelo alcorão e pela instituição escolar, como todas as outras meninas de sua idade ou todas as mulheres da região. Entretanto, ela possui uma rivalidade de criança com um garoto do bairro e deseja uma bicicleta para apostar corrida com ele. Se para o Ocidente esse parece ser um desejo comum, para o circulo social da garota tal desejo é indecente, pois bicicleta é apenas para garotos. Contra a vontade de todos, Wadja começa a pensar em como conseguir comprar uma, e segue numa jornada para arrecadar dinheiro para tal.
A partir da protagonista, a diretora cutuca os preceitos, o senso comum, os dogmas e os tabus de sua sociedade, por um olhar feminino, mas também infantil. Wadjda não é ingênua, pelo contrário, ela conhece a sua sociedade – e a questiona, coisa que nenhum dos poucos adultos do filme parece fazer. Por que só os meninos podem ter e andar de bicicleta? Por que ela não pode pular amarelinha na frente dos homens? Qual o sentido de se cobrir com uma burca preta no calor do Oriente Médio?
Wadjda, apesar de ser apenas uma menina, é a mulher mais forte do elenco, praticamente todo feminino. Ela tem a coragem de desafiar a sociedade patriarcal em que vive, por meio de suas pequenas teimosias. Sutilmente, ela critica as imposições da sociedade à mulher, enquanto, nitidamente, ela só quer ser ela mesma: uma criança, e brincar como uma, sem restrições de gênero, sem imposições sociais nas quais não vê propósito. Ela quer o brinquedo “de menino” e não tem medo de admitir. Sua rebeldia é usar tênis all-star roxo, ao invés da sapatilha preta das outras meninas.
Com delicadeza e bom humor, a diretora conseguiu fazer um filme encantador, divertido e crítico. Uma personagem cativante (a menina está ótima em seu papel), com problemas de criança que apontam para questões muito maiores. Um filme que parece ter vindo de um cinema maduro, e não da primeira experiência feminina por trás das câmeras da Arábia Saudita, a ponto de a única cena triste ser tão emblemática, com fogos de artifício em segundo plano.