Wrong
Um bombeiro abaixa as calças no meio de uma rodovia, abrindo um jornal enquanto faz suas necessidades. Um grupo de homens musculosos e de óculos escuros assiste tranquilamente à cena, cada um na sua, encostado no caminhão de bombeiros. Na frente deles, uma van em chamas. É com esse clima estranho de anormalidade que Wrong, de Quentin Dupieux, se inicia, para dar o tom de que, nesse filme, situações “normais” serão exceção.
Na trama, Dolph Springer (Jack Plotnick) é um pacato morador do subúrbio. Um certo dia, ele desperta, como rotineiramente, às 7h60, entretanto, não encontra o seu cachorro Paul. Quando descobre que seu animal sumiu com um propósito, Dolph tentará entrar em contato com ele por telepatia.
O filme é bastante criativo em suas maluquices, ora sustentadas com elementos surrealistas, ora com diálogos absurdos (estranhos, mais plausíveis). Ao contrário do genial Holy Motors, esses recursos não são usados para provocar ou incomodar o espectador, e sim para criar o efeito de humor, onde a obra falha em algumas passagens, e a atmosfera de anormalidade, contrastada com a fotografia clean e o fato de toda a situação se passar em dias ensolarados.
Todavia o que está errado em Wrong não são as situações e diálogos bizarros. É o que está por traz de todos esses elementos, uma contestação um tanto inquietante: a solidão da vida suburbana, a derrocada da cultura do individualismo. Afinal, o que liga os quatro personagens de destaque no filme são o fato de que eles são sozinhos e vazios, tanto de sentido quanto de significado.
Se o cachorro era, na renascença, o símbolo da melancolia, aqui, ironicamente, ele simboliza todo o sentido da vida de seu dono. Sem o cão, o que sobra de Dolph? O emprego do qual ele foi demitido há três meses e continua indo trabalhar? Suas inquietações sobre o logo de uma pizzaria? O mistério da palmeira que virou pinheiro?
Dolph é a caricatura de um personagem que, por trás de aparente normalidade, é um excluído da sociedade, isolado em sua própria bolha, incapaz de criar vínculos sociais que não sejam passageiros. Entretanto, Dolph não é o único: Wrong é o relato de uma sociedade ocidental doente e perdida atrás de algum sentido. Quem não perceber isso vai tentar procurar, em vão, algum sentido para o filme, que pode parecer um tanto forçado demais para os mais desatentos.
Ótima crítica!