Cinquenta Tons de Cinza
Por Gabriel Fabri
Quando a trilogia de E.L. James “Cinquenta Tons” estourou ao redor do mundo, muita gente olhou torto. O sucesso veio com um estigma, seja por moralismo ou pelo fato de que as obras eram, a princípio, fan fictions (são histórias criadas por fãs de uma obra, aproveitando os seus personagens, e compartilhadas na internet) da série “Crepúsculo”, conhecida como um romance água com açúcar adolescente, e não dos melhores. Nesse contexto, a trilogia de James chegou até a ganhar o apelido pejorativo de “pornô para mamães”. Realmente, é tarefa difícil defender a obra. O primeiro volume, que deu origem ao filme dirigido por Sam Taylor-Johnson, é divertido, mas, com a exceção do elemento sadomasoquista, que traz o tempero especial que atraiu tanta gente, o livro é uma sucessão de clichês em um enredo previsível. O que esperar então de sua adaptação cinematográfica?
Anastácia (Dakota Johnson) é uma adolescente tímida, ingênua e desajeitada. Um dia, tem a oportunidade de entrevistar o milionário Christian Grey (Jamie Dornan). O jeito que ela morde o lábio inferior e a sua personalidade deixam o homem interessado nela. Rico, bonito, poderoso, solteiro e gentil: a garota parece ter encontrado o seu príncipe encantado. Com o detalhe excitante de que Grey é também perigosamente misterioso. Parece uma história de princesas da Disney, com a exceção de que o homem não é romântico, não faz amor, não quer um relacionamento convencional com ela: e sim uma relação sadomasoquista de dominação e submissão.
Se James poderia ter escrito um romance erótico ousado, mas não o fez, não é a adaptação para os cinemas em que a autora palpitou em tudo (inclusive brigou com a diretora a respeito do desfecho do filme) que transformará uma história tão convencional na última maravilha do mundo. “Cinquenta tons de cinza” é fiel ao livro, infelizmente. Deve agradar, porém, aos leitores da obra de James, público que só tem a ganhar com a versão para os cinemas.
Ao contrário do que andam dizendo, o filme é sim, bom. Todos gostaríamos que a adaptação inovasse, fosse além do livro, criasse conflitos mais interessantes (mais eróticos, mais realistas, mais violentos e menos previsíveis?) ou que apenas tratasse o sadomasoquismo com menos glamour. Mas ter sido fiel tem as suas vantagens, pois a história de E.L. James é do tipo que parece criada para o audiovisual. E a diretora aproveita isso: a trilha sonora sexy, o destaque dado aos corpos dos atores, os ambientes intimidantes, as roupas e a falta delas, e até mesmo a sugestão de nudez (não há nudez frontal, mas o resto, ta liberado) compõem uma boa atmosfera erótica. Não chega a ser um filme excitante, mas permite que o público se envolva no quarto vermelho da dor como a personagem. E tem muito sexo (e não daqueles que a maioria das pessoas gostam e fazem), o que é novidade para um blockbuster de um grande estúdio.
A atração entre os dois não parece loucura. O casal tem química e o relacionamento é beneficiado pela obra não ser narrada em primeira pessoa, como o livro. Pode-se dizer que, então, “Cinquenta Tons de Cinza” oferece uma experiência melhor do que a leitura e, embora isso não signifique muita coisa, já é muito tratando de uma adaptação literária onde há muita pressão dos produtores e dos estúdios pelo retorno financeiro. Essa obsessão pelo lucro, que atinge todos os blockbusters hollywoodianos, ganha um elemento a mais com a entrada da autora dos livros como produtora, interferindo criativamente na adaptação – EL James ganhou a briga pelo final do filme, o que resultou em um desfecho muito tosco, prematuro e exagerado, que lembra uma versão piorada de uma das cenas mais tensas de “Ninfomaníaca“, de Lars Von Trier. Se a conclusão planejada pela diretora era melhor ou pior do que a que vingou, nunca saberemos.
Dentro dos limites da classificação indicativa, dos fãs, da autora do livro, dos estúdios e da mentalidade média norte-americana, “Cinquenta Tons de Cinza” se sai bem. É um filme divertido e sexy. Embora ainda seja meio careta, é um passo dado além no gênero do romance. E mostra que há espaço no cinema de indústria dos EUA para o sexo, e para as mais diversas perversões, sim. Quem sabe daqui alguns anos teremos grandes blockbusters explorando os mais diversos desejos – obscuros ou não – do ser humano?
Grande Gabriel! Bela crítica, meu amigo, mas só o fato de Cinquenta Tons ser fiel à "obra" já acaba com o meu tesão, uma vez que detestei o livro! Boa sessão aos fãs e espero que curtam, pois eu preciso colocar a minha cinefilia em dia, preferencialmente vendo bons filmes! Abração!