Meu Amigo Hindu
Bárbara Paz dançando debaixo de uma chuva torrencial, completamente nua sob uma capa transparente, e um belo sorriso estampado no rosto. É com essa imagem que o diretor Héctor Babenco (Carandiru) encerra o seu mais novo longa-metragem, Meu Amigo Hindu, obra de inspiração autobiográfica. Foi a partir dessa cena, vale ressaltar, que começou todo o desenvolvimento do roteiro: como contou a atriz em coletiva de imprensa, há cinco anos Bárbara dançou para Héctor debaixo da chuva, e ele lhe disse: “esse é o final do meu próximo filme”.
A referência explícita a Cantando na Chuva, clássico de Gene Kelly e Stanley Donen, não é a única citação cinematográfica em Meu Amigo Hindu. Além da dança ao som de Singin’ In The Rain, o cineasta argentino-brasileiro recria a situação icônica de O Sétimo Selo, do sueco Ingmar Bergman: o jogo de xadrez com a morte. Mas, nesse caso, o tom é completamente diferente. Interpretada por Selton Mello, a “morte” não é um sujeito sombrio e sim um trabalhador bem bacana. É esse o grande atrativo do filme de Babenco: encarar, com bom humor, a morte.
A trama conta a história de Diego (Williem Dafoe, de Ninfomaníaca e A Culpa é das Estrelas), um famoso cineasta que se descobre com câncer terminal. Para tentar um tratamento alternativo nos EUA, ele viaja para o país com a sua esposa, Livia (Maria Fernanda Cândido, de O Amuleto), e com o seu irmão, que pede um milhão de reais para ser o doador para o transplante que pode salvar a vida do diretor.
Não cabe ficar imaginando o que é real e o que é ficção – a cena da chuva aconteceu e Babenco de fato teve um câncer em que precisou de um transplante de medula, por exemplo. O paralelo entre Diego e o diretor é nítido, mas mesmo o espectador mais desavisado pode aproveitar Meu Amigo Hindu em sua totalidade. O longa-metragem, afinal, mostra um personagem à beira da morte e a sua maneira peculiar de encará-la. Seja conversando com um menino indiano, traindo a sua esposa após uma sessão de meditação ou com uma desconhecida qualquer, dando uma festa de casamento que também é uma despedida (vejam bem, o momento teoricamente mais feliz na vida de um casal é de uma tristeza só), ou cantando Cheek to Cheek (canção de Fred Astaire, regravada recentemente por Tony Bennett e Lady Gaga) em uma cama de hospital.
Babenco transforma o que facilmente poderia ser um filme sobre perda e superação em uma espécie de celebração da vida. Por mais que o longa-metragem tenha também os seus momentos amargos e melancólicos, Meu Amigo Hindu é, em boa medida, espirituoso e bem humorado. Alguns vão se incomodar com detalhes como as alfinetadas no “cinemão” mais comercial; a tomada aérea de São Paulo enquanto os personagens estão nos Estados Unidos; ou até mesmo com a decisão de filmar o longa-metragem em inglês (Dafoe não fala português, afinal). Nada disso importa muito. Talvez só a visão da Ponte Estaiada como sendo Seattle devesse ter sido evitada – mas, no fim das contas, estamos falando de um filme que borra as fronteiras entre a ficção e a realidade. Se Diego pode conversar com a morte, porque um dos cartões postais de São Paulo não pode ser nos Estados Unidos?
| Gabriel Fabri