Entrevista: Em “Nós, Eles e Eu”, Nicolás Avruj fala sobre a dificuldade de se identificar com um extremo
No ano 2000, o jovem argentino Nicolás Avruj foi a Israel visitar um primo. Os dois, entretanto, se desencontraram, e Avruj se viu sozinho para explorar o país. O cineasta não conhecia muito sobre o conflito Israel e Palestina e resolveu se aventurar por Gaza e pela Cisjordânia para conhecer mais sobre a realidade daquela região. O resultado é divulgado 15 anos depois, no documentário Nós, Eles e Eu (NEY: Nosotros, Ellos y Yo), que chega aos cinemas brasileiros dia 12 de maio. Com depoimentos impressionantes de pessoas comuns, Avruj tenta expor os dois lados do conflito, mas narrando sempre de maneira pessoal, como um jovem confuso diante daquela realidade tão estranha a ele.
Na entrevista exclusiva a seguir, o cineasta estreante fala sobre a sua experiência ao fazer o documentário e também sobre a relação do longa-metragem com a realidade hoje na América Latina. Confira:
Pop with Popcorn: O que mais te surpreendeu ao conhecer a realidade em Gaza e na Cisjordânia?
Nicolás Avruj: Eu não sabia muito do conflito. Tinha vinte anos e não pensava nisso. Conheci pessoas muito gentis lá. E depois fui conhecendo mais, fui me intrometendo nas condições em que eles viviam, sobretudo em algumas partes de Gaza. Isso foi o que mais surpreendeu. Não conhecia muito sobre como eles viviam.
O que te chocou mais?
Penso, sobretudo, no que para mim, como ocidental, era muito diferente. Como uma família poderia ser muito grande – se for contar todos os primos, eram umas setecentas pessoas. E depois, quando eu estava na fronteira com os assentamentos, não posso dizer que a situação me surpreendeu – era algo que não dava para acreditar. Tinha uma casa palestina que estava perto de um assentamento em Gaza e eles recebiam sempre disparos dos soldados – a casa me pareceu um queijo suíço, cheia de furinhos. E os soldados diziam que os militantes palestinos atiravam de lá, mas os moradores da casa diziam “não, não há nenhum [militante] aqui”.
Essas coisas pequenas me surpreenderam. É difícil de enumerar. Mas sobretudo as diferença de poder e também como viviam, dentro de Gaza. Se você pensava algo diferente, não havia muito debate, muita possibilidade de dizer. Muita gente não gostava de Arafat (presidente da Autoridade Nacional Palestina de 1994 até 2004 e ganhador do Nobel da Paz em 1994), por exemplo, mas eles não diziam publicamente, porque não se podia dizer.
O que mais foi desafiador em fazer o documentário?
O mais desafiador foi a vontade de terminá-lo. Levei 15 anos. É difícil tomar essa decisão de dizer “ok, é isso o que eu quero dizer” com algo muito sensível, um assunto em que se você diz A, as pessoas dizem “você é anti-Israel”, ou se você diz B, você é “anti-Palestina”. E eu simplesmente disse A e nada mais. É muito difícil dizer algo que seja maior que só uma denúncia. Acho que o documentário é uma crítica pessoal e um retrato de um estado de incômodo.
Como você amadureceu nesses 15 anos, em relação ao conflito?
Antes da viagem, eu era muito “ah, a humanidade, o amor!”. Acredito que voltei muito cínico e a luta mais forte é contra esse próprio cinismo. Porque não há soluções que dependem de um, de ninguém. Há muita gente que crê que a paz é muito melhor, mas são pessoas como todas as outras, não têm poder para decidir isso. Portanto é muito fácil voltar cínico, “não acredito em nada, vou focar na minha vida”. Não acredito que amadureci, eu me pergunto isso às vezes. Hoje talvez tenha amadurecido mais, mas isso não tem relação com o filme, mas sim com o medo da morte. No entanto, o conflito não melhorou. Antes tinha muito mais gente que acreditava e que fazia mais coisas para lutar por algo. Agora parece que o poder financeiro organiza tudo – não importa o país ou a religião. Há outras forças muito maiores… é nisso que estou pensando.
Em uma entrevista ao Télam [periódico argentino] você comentou que o conflito ultrapassa Israel/Palestina e é “dos extremos que não querem a paz e dos fabricantes de armas”. Sendo assim, qual seria o caminho para resolver esse conflito?
Sim, é um conflito Israel/Palestina, mas é maior do que isso, no sentido concreto e abstrato. Abstrato porque a guerra é sempre dos poderosos e as pessoas que vivem são vítimas, não importa se estão de um lado ou do outro. E concreto porque se eu pensava, quando fazia o documentário, “qual é a solução”, a verdade é que ela não está nem em Israel nem na Palestina. Eles têm muitos problemas internos, mas supondo que um presidente da Palestina e um de Israel digam “firmemos a paz”, isso não irá acontecer, porque tem muitos interesses dos países árabes, dos Estados Unidos, da Europa. Todos usam o conflito, então não depende só da Palestina e de Israel. O problema dos refugiados, por exemplo, era, originalmente, só desses dois países, hoje já não é mais. São mais de 4 milhões de pessoas que nunca estiveram na Palestina, e que vivem em muitos países, mas não são cidadãos deles. Os netos dos palestinos que vivem na Jordânia, por exemplo, não são cidadãos de lá, diferente dos imigrantes europeus que vieram para o Brasil ou para a Argentina. Esses netos vivem em campos de refugiados, mostrando que o conflito não é só Palestina e Israel.
Aqui no Brasil, e acredito que na Argentina também, estamos vivendo um processo de acirramento político muito forte. Você acha que o seu filme acaba dialogando com a realidade na América Latina ao tentar se equilibrar no meio de uma polarização?
Sim, na Argentina estamos vivendo muito essa polarização. No governo anterior, ou você era pro-Kirchner ou anti-Kirchner e, se você estava no meio, não havia lugar para se expressar. É uma falsa polarização. Eu não me identificava nem com um nem com outro. Então é uma polarização e eu não estou de nenhum lado – não me representa, portanto. E aqui no Brasil, bom, esses últimos meses foram fortes… Por isso, acredito que o filme é muito mais compreendido aqui na América Latina do que na Europa, porque há uma visão da nossa cultura. Temos algo de países de imigrações, de um avô daqui e outro de lá, uma mescla de mais de cem anos. Acho que o filme fala menos do conflito e mais de um jovem que cresce com uma ideia de identidade e que tem dificuldade de se identificar com um extremo.
| Gabriel Fabri
Revisão: Maria Eugênia Ferreira