A Lenda de Tarzan
A primeira imagem que o nome Tarzan traz hoje à cabeça é a da animação da Disney de 1999, de Chris Buck e Kevin Lima. Entretanto, a história criada por Edgar Rice Burroughs em 1912 já ganhou diversas adaptações para o cinema ou para a TV – a primeira delas foi em 1918, quando o cinema ainda era mudo. Ficou a cargo de David Yates (diretor dos últimos quatro filmes da franquia Harry Potter) atualizar o personagem e a sua história em A Lenda de Tarzan, longa-metragem que discute o imperialismo na África.
Tarzan, interpretado por Alexander Skarsgård (da série True Blood), vive como um lorde na Inglaterra. Entretanto, ainda é lembrado como o menino europeu que foi criado por gorilas na África, após os pais biológicos o perderem na selva. No início do filme de Yates, um ambicioso representante da monarquia belga, o comandante Leon Rom (Christoph Waltz, de Django Livre), recebe a proposta de um líder nativo do Congo: quer Tarzan capturado em troca dos diamantes da região. Sem suspeitar que se trata de uma cilada, Tarzan viaja para a região com a sua esposa, Jane (Margot Robbie), e o pistoleiro George Washington (Samuel L. Jackson), este interessado em comprovar sua suspeita de que o governo belga estava escravizando os nativos.
A Lenda de Tarzan tem alguns pontos interessantes que se destacam: o primeiro é o personagem de Samuel L. Jackson, que acompanha o herói do filme pela selva sem ter metade de suas habilidades físicas – é onde o filme garante um pouco de humor, que torna a experiência mais leve; segundo, os momentos em que Jane enfrenta com diálogos o comandante Rom, em especial, a simples mas memorável cena em que os dois jantam juntos; por fim, a tensão homoerótica entre Tarzan e o comandante Rom, divididos em herói e vilão sem a menor sutileza, mas que, no ápice do confronto entre os dois, revelam nessa oposição uma tensão erótica evidente – uma pena, seria ousado se isso fosse mais explorado. De fato, após os testes de audiência, foi cortada uma cena em que Rom beija Tarzan, quando este está desacordado. A sequência teria, segundo o diretor, deixado o público que avaliava o filme transtornado. A sugestão, entretanto, ainda está presente no longa-metragem, para os olhares atentos.
Se tem piada com “lamber as bolas” de um gorila, leve tensão homoerótica e ainda uma crítica evidente em relação ao imperialismo na África, pode-se dizer que A Lenda de Tarzan tem alguns pontos a seu favor. Todavia, enfraquece o filme a idealização exagerada de Jane e Tarzan versus a demonização completa de Rom, o velho maniqueísmo hollywoodiano de Bem x Mal. Como a história, para partir para a ação, demandava um certo desenvolvimento, a montagem é preenchida de flashbacks repletos de cenas desnecessárias, trazendo uma ação para o filme que chega a ser entediante e aumenta a sensação de que a história é arrastada – são, afinal, flashbacks que uma simples narração “Tarzan cresceu na selva criado por gorilas e aí conheceu Jane”, na primeira cena em que se fala do “mito”, resolveria.
Por fim, se os heróis do filme são duas pessoas simples, que amam a natureza, os animais e defendem os oprimidos, no caso a população do Congo, A Lenda de Tarzan traz também um herói negro, justamente o excelente personagem de Samuel L. Jackson. É um ponto positivo, é claro, mas não é nada sutil o fato de que ele é também o único norte-americano no filme, com o nome que remete ao primeiro Presidente dos Estados Unidos*. Achou estadunidense demais? Espere até ver como os animais tem papel decisivo no confronto final, enquanto a população do Congo aplaude de pé os seus heróis ocidentais.
| Gabriel Fabri
*Atualizado em 22/7: O personagem é inspirado em George Washington Williams, que foi realmente ao Congo averiguar a veracidade dos boatos a respeito da exploração do país pelo rei Leopoldo III e teve papel decisivo para expor a brutalidade que acontecia na região.