Cães de Guerra
Diretor da trilogia Se Beber Não Case, Todd Phillips não abandona por completo o besteirol, mas vem tratar de um tema político sério em Cães de Guerra. A expressão que dá nome ao filme refere-se às pessoas que lucram das migalhas da guerra – pois uma guerra, como bem explica o longa-metragem em sua introdução, é feita para dar lucro e, bom, todos, até os pequenos, podem lucrar com ela.
Inspirado em uma reportagem da revista Rolling Stones, o que não significa que o filme não tenha muitas situações e personagens inventados (o personagem de Bradley Cooper, como um terrorista procurado, é claramente uma invenção), Cães de Guerra mistura ação, drama e comédia para falar de política. E mesmo que escorregue no humor, sobrecarregando o personagem de Jonah Hill com humor negro que pouco funciona, acerta ao trazer para o grande público, de maneira divertida e humana, um dos escândalos do governo Bush.
O artigo de Guy Lawson, que pode ser lido aqui, denunciou o contrato de 300 milhões de dólares que as Forças Armadas norte-americanas fez com David Packouz, 25 anos, e Efraim Diveroli, 21, dois jovens que venceram uma licitação do exército batendo grandes empresas armamentárias. Como descreve a reportagem, “com um único acordo, dois drogados da praia de Miami se tornaram os menos prováveis mercadores da morte na história”. É um negócio bilionário: segundo o texto, os contratos militares com empresas privadas foram de 145 bilhões em 2001 para 390 bilhões em 2008, época que corresponde à administração republicana. “(Nesse período) Regras federais para contratos eram constantemente ignoradas ou contornadas”, escreve Lawson.
Na trama do longa-metragem, os tais “cães de guerra” são Efraim e David (sim, os primeiros nomes foram mantidos). Um é o típico estereótipo do bandido que imaginamos transitar por Vegas e Miami, o outro, interpretado por Miles Teller, é um massagista que quer ganhar mais, bem mais, para sustentar a sua filha – e, claro, quando se trata de dinheiro, todo mundo nunca sabe quando parar. Os dois juntos atuam negociando armas para vender ao governo dos Estados Unidos, e, bom, o negócio vai crescendo até que fica grande demais para a pequenez de seus comandantes.
Embora seja realmente estranha a ingenuidade do personagem de Teller com relação ao amigo, Cães de Guerra constrói uma boa história, sem nuances, mas que incita reflexões sobre as guerras e seus lucros, usando um exemplo pertinente e hoje pouco lembrado. Mas quem espera dar alguma risada, resta esperar pela participação do personagem Malboro, “o melhor contrabandista da Albânia”, que marca os momentos realmente engraçados do filme. Essa não é uma comédia de ação, é mais um drama, com pequenos toques desses dois gêneros – no caso do humor, é pouco, mas já é demais, porque muitas vezes soa forçado e até idiota.
A temática e a narrativa, organizada pela narração em off do personagem principal, e em capítulos com frases de efeito como “isso soa ilegal”, lembram A Grande Aposta, em que oportunistas resolveram lucrar com a crise de 2008, naquele caso, e não com a guerra, como é aqui. Claro que Cães de Guerra não chega perto da genialidade do outro, que lidava de forma mais criativa com um tema mais espinhoso, mas, cabe o paralelo aqui: são dois filmes que mostram casos diferentes de negligência e cegueira política e estratégica, mas que pessoas normais perceberam e resolveram tirar uma casquinha. É a velha história: o dinheiro sempre fala mais alto.
| Gabriel Fabri