Para Fernanda Montenegro, “A Vida Invisível” é um filme “uterino, vaginal”

Representante do Brasil no Oscar, “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, é um melodrama sobre o machismo e a vida de duas irmãs. Com Fernanda Montenegro e Gregório Duvivier

Uma das forças mais gigantes do teatro e do cinema nacional, a atriz Fernanda Montenegro, aos 90 anos, faz uma pequena, mas fundamental, participação em “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz. O longa-metragem, premiado no Festival de Cannes e representante brasileiro no Oscar 2019, estreia no dia 21 de novembro, mas ganha uma sessão de gala no Theatro Municipal de São Paulo durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema.

A atriz indicada ao Oscar por Central do Brasil mostra vigor na coletiva de imprensa de A Vida Invisível e comenta a força do que chama de vocação, o chamado para ofício que por algum motivo a pessoa nasceu para fazer. “Às vezes um sistemas está contra nós, mas a gente insiste”, afirma. “Nessas circunstâncias, temos uma frente de filmes brasileiros de primeira”. Sem mencionar o governo Bolsonaro ou as ofensas que sofreu por parte do diretor da Funarte, ela complementa: “É a força da vocação e ninguém vai nos calar – por que é vital, eu estou viva, estou em um filme do Karim”.

A vocação também está presente em A Vida Invisível, que conta a história de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), separadas por uma mentira de seu pai. “A grande tragédia da personagem é que ela se crucificou, se suicidou diante do processo da vida”, conta a atriz, que interpreta a protagonista Eurídice na velhice. “Acho que a vocação dela não foi tão absoluta a ponto de passar por cima”. Sua personagem sonhava em ser pianista e estudar em Viena, mas acabou afastada de seus sonhos para se dedicar ao casamento com Antenor (Gregorio Duvivier). “Eu interpreto o marido abusivo, desculpa a redundância”, afirmou o ator, arrancando risos dos jornalistas.

Para Fernanda Montenegro, trata-se de um filme íntimo. “É uterino, vaginal”, declara. “É um filme que não é fácil de ver no cinema brasileiro”. Ao retratar duas mulheres vítimas dos costumes machistas da sociedade, o melodrama mergulha fundo no sofrimento e desesperança da personagem principal. “Não há didatismo, não há retórica”, explica. “Filme tem uma intensidade e uma interação do elenco e do roteiro que o que sai ali não é um discurso.”

Baseado no romance de “A Vida Invisível de de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, o longa-metragem é ambientado no Rio de Janeiro dos anos 1950. “Essa ambientação é muito importante, pois o filme fala sobre como as mulheres conseguiram conquistar tantas coisas e quão pouco os homens mudaram”, explica o diretor, fazendo um paralelo com os dias de hoje. Ele ressalta que a década de 1950 foi anterior a várias conquistas das mulheres, como a pílula anticoncepcional, o divórcio e a revolução sexual. “Esse não é um filme de época, é um filme sobre uma época”, ressalta Aïnouz, que nutre grande admiração por autores de melodrama, como os cineastas Douglas Sirk, R. W. Fassbinder e Todd Haynes, mas que nunca havia dirigido, de fato, um melodrama.

As duas protagonistas contaram um pouco sobre as suas personagens. Carol Duarte conta que a sua personagem trabalha no silêncio. ”Ela sofre uma violência muda”, afirma a atriz, que se inspirou no filme Uma mulher sob Influência, de John Cassavetes. “Como dou conta de dizer uma coisa que não está nas palavras?”. Ela, que nunca havia tocado um instrumento, destacou também o contato com a disciplina do piano, o segundo amor da vida de Eurídice. “O grande amor da vida dela foi a irmã”.

Julia Stockler conta que Gilda, a irmã de Eurídice, foi construída pensando na força de uma mulher que não tem medo das consequências. “Ela é uma revolução para mim”, declara. “Constrói outra ideia de família, é mãe solteira e trabalha em uma fábrica. Uma mulher sem medo”.

Por Gabriel Fabri

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