Demônio de Neon
“Beleza não é tudo”, afirma um badalado estilista na mesa com duas de suas modelos, em um restaurante em que, como em boa parte do filme, a cor vermelha é ressaltada em todo o canto. “Beleza é a única coisa”, conclui o homem. Essa ideia dura permeia todo a projeção de Demônio de Neon, o novo filme de Nicolas Winding Refn (Drive). Vaiado no Festival de Cannes, onde fez sua estreia em maio, o longa-metragem leva ao extremo as consequências da chamada “ditadura da beleza”, que torna todos insatisfeitos e obcecados pela aparência.
A história, a princípio, parece banal: Jesse (Elle Fanning) é mais uma jovem loira e magra que vai para Los Angeles em busca de fama e sucesso. Ela, entretanto, não vai sofrer para conseguir o que quer, nem entrar para a industria pornográfica ou arrumar um emprego como garçonete: estranhamente, ela conquista com o seu jeito tímido e meio perdido todos ao seu redor – o que incluí a sua avaliadora em uma agência de modelos, que logo a encaminha para o mais badalado dos fotógrafos. É essa agente, inclusive, que pede para a garota de 16 anos mentir a sua idade: “As pessoas acreditam no que dizem para elas”. Ao acompanhar a inserção de Jesse no universo da moda, o público vai descobrindo um ambiente onde predomina a inveja, o orgulho e, principalmente, a insatisfação das modelos consigo mesmas. Um mundo em que a superfície é mais importante que o conteúdo, em suma.
O que torna tudo interessante são, além das surpresas e da ousadia do roteiro, o tratamento que Refn dá à imagem. A construção de uma atmosfera onírica lembra David Lynch e o uso das cores, o contraste do escuro com o neon do título, remete a Dário Argento. Isso reforça a sensação de estranheza que permeia o filme todo: estranheza também pela ascensão rápida da protagonista, pelas neuroses dos outros personagens com a beleza, e os sorrisos pouco convincentes de Ruby (Jena Malone), única amiga que Jesse consegue fazer.
Da crítica à cultura obsessiva da beleza, o longa-metragem vai para outro caminho, que mostra os efeitos dessa busca sem fim nos personagens. Ora, se a pessoa não é mais a mais bonita de todas, se mesmo tantas plásticas não conseguem disfarçar que a mulher tem mais de vinte anos (e, por isso, já não serve), o fracasso bate à porta – e leva a medidas extremas. Aqui, Demônio de Neon se aproxima de filmes como Crash – Estranhos Prazeres, de David Cronemberg, para falar das perversões. Se sexo e morte caminham juntos, se dor e prazer são dois lados de uma mesma moeda, os sentimentos de fracasso, desespero e exclusão social – no caso do filme, todos relacionados à tal ditadura da beleza -, ou seja, a sensação de não ser desejado é um potente desencadeador dos mais obscuros desejos: lamber o sangue de uma mão cortada, ouvir a menina do quarto ao lado ser estuprada, necrofilia, canibalismo ou banhar-se no sangue de sua vítima. O choque que Demônio de Neon provoca é grande, é sexy, é perturbador. Mas não é gratuito.
| Gabriel Fabri