Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência
Por Gabriel Fabri
Dois homens ganham a vida vendendo diversão para as pessoas. É isso o que afirmam, tristes e sérios, em seus discursos, enquanto vão a todos lugares vender objetos para tornar qualquer ambiente divertido – um saco de risadas, dentes de vampiro e uma máscara bizarra. Ninguém se diverte com esses objetos, que não conseguem quebrar a seriedade, a frieza e a indiferença das pessoas. Chega a ser engraçado o quanto esses produtos não são engraçados – e está aí a essência do humor desconcertante do sueco “Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência“, de Roy Andersson, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, o prêmio máximo da cerimônia. Um filme com muito humor, mas tão desconcertante, que chega a ser impossível rir, como acontece com os patéticos brinquedos dos protagonistas.
A frieza da maioria das pessoas do filme aparece também na direção. A câmera estática e distante, observando tudo de longe, sem qualquer reação (como o pombo no galho), junto com a fotografia sóbria, com cores apagadas e muitos tons de bege, reforçam essa sensação de uma existência sem brilho, sem vida e sem humor. O longa-metragem não tem uma história propriamente dita. Além das cenas dos dois vendedores, são intercaladas outras situações aleatórias, com uma comicidade que beira o absurdo. Por exemplo, uma das cenas iniciais, em que um homem morre em um restaurante e a única preocupação é quem vai comer a comida que ele acabou de comprar. Ou quando a menina vai recitar o poema que dá nome ao filme e é aplaudida e imediatamente dispensada sem sequer começar a recitar a poesia.
A medida que o filme vai seguindo o seu curso, as situações vão ficando mais absurdas e mais desconcertantes, até atingir a banalidade de uma situação cotidiana, na cena final. “Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre A Existência” é, sem dúvidas, um filme difícil, que permite diversas interpretações, para quem se esforçar um pouquinho. Sexo, solidão, homossexualidade, a mesmice das rotinas, a infelicidade do dia-a-dia e, principalmente, a indiferença com o outro são os temas em que o filme toca, sempre de uma maneira negativa. Reparem bem na frase “estou feliz que você está bem” e tente encontrar alguém feliz, ou bem, nesse filme. “Um Pombo…” é, em suma, uma obra para refletir sobre a existência mesmo.
Vale ressaltar que o filme é o terceiro de uma trilogia, composta por “Songs from the second floor”, exibido no Festival de Cannes em 2000, e “Vocês, os vivos”, exibido em Cannes em 2007.