A Gangue



Por Gabriel Fabri

O silêncio é mais que um tema, é o recurso narrativo central no ucraniano “A Gangue” (Plemya), premiado na semana da crítica no Festival de Cannes. Difícil ficar quieto após a sessão, pois o filme dirigido por Miroslav Slaboshpitsky levanta uma série de questões de maneira instigante. Todo falado em linguagem de libras, sem tradução, narração ou legendas, o longa-metragem coloca o espectador propositadamente no desconforto, para contar a história da violenta gangue de jovens ucranianos surdos.

“A Gangue” acompanha o dia-a-dia de jovens de um internato a partir da chegada de um garoto novo, que é rapidamente integrado ao grupo de delinquentes. Sustentados por roubos violentos e pela prostituição de duas garotas, a gangue vive uma rotina de furtos, brigas e ócio.
O fato dos personagens (e também os atores!) serem surdos funciona para manter o espectador ligado na história. É necessária atenção, pois não sabemos os nomes dos personagens, o que estão dizendo, o que estão tramando. Portanto, a experiência de assistir a “A Gangue” só é completa para quem não sabe a linguagem de sinais ucraniana (ou seja, é para todo mundo não saber o que se fala). Se as pessoas na tela não têm os ouvidos para ajudar a compreender o mundo, o público, por mais de duas horas de projeção, é quase privado deles. E essa privação é mais que um desafio ou um charme.
Tal privação não é completa pois os barulhos ambientes são ouvidos pelo público. O filme tem som, o que não tem são as falas. Mas ela é crucial na narrativa, e esse sons que ouvimos também são. O fato de ninguém no filme falar ou escutar acentua a crueldade do seu duro desfecho e das pesadas cenas do clímax. A crueldade humana, tema principal da narrativa, ganha contornos fortes por causa da deficiência que os personagens possuem – e o fato de que o público consegue ouvir duas cenas em particular, mas os personagens não conseguem, acentua o desconforto do espectador, impotente em sua cadeira, assustado com o barulho e com o silêncio. “A Gangue” teria necessariamente outro final, se fosse um filme sobre jovens delinquentes que falam e escutam. 
Com um roteiro repleto de diálogos que o público não entende, “A Gangue” é um filme até de fácil compreensão, o que é um mérito, trazendo temas da natureza humana e também políticos, como o desemprego e a importância desmedida que se dá ao dinheiro. O longa-metragem consegue provocar o espectador, que ficará marcado pela experiência. Menos pelas cenas de violência explícita, e mais por aquela violência que está velada na trama: a do silêncio.

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Atualizado em 1/7/2015

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