Darren Aronofsky: Se “Mãe!” tivesse sido escrito na era Trump, seria “muito mais raivoso”
Vaiado e aplaudido no Festival de Veneza, onde foi exibido pela primeira vez, Mãe! está longe de ser uma unanimidade. O diretor Darren Aronofsky, indicado ao Oscar por Cisne Negro, veio ao Brasil divulgar o projeto, estrelado por Jennifer Lawrence e Javier Bardem – e parece estar tranquilo com a recepção não muito calorosa ao seu filme (nos EUA, o filme fez uma bilheteria ruim na estreia e a repercussão online também não foi boa). “Se você dá um soco, algumas pessoas vão gostar, mas outras vão querer socar de novo”, afirmou o diretor em coletiva de imprensa em São Paulo, na última terça-feira (19).
Um “soco” é uma boa definição para o longa-metragem, que tenta manter uma atmosfera crescente de desconforto no espectador. “O público vê um filme com atores conhecidos como Jennifer Lawrence e espera que seja um filme mais normal”, admite. Mas a intenção era outra: “Mãe!” é um filme alegórico e que fala sobre a destruição da natureza, personificando-a na imagem da atriz de “Jogos Vorazes”, e reduzindo o mundo à figura de uma casa. A ideia, explica, era trazer os abusos dos humanos com a natureza para a esfera íntima do espectador, ou seja, para dentro de casa. “A ansiedade de uma visita é algo com o qual todos podemos nos relacionar”, explica, comparando com “Cisne Negro”, que falava sobre o medo de perder a identidade, um sentimento menos comum.
O roteiro, escrito pelo diretor em cinco dias, traz um casal em crise e que vive confinado em uma grande casa. Ele é um poeta sem criatividade; ela é a dona de casa com sexualidade reprimida e que faz tudo pelo marido que não a valoriza – uma premissa que poderia ser de um melodrama de Douglas Sirk, diretor de clássicos dos anos 1950 como “Tudo O Que O Céu Permite”. Não à toa, como os melhores melodramas, o filme é bastante aberto a uma interpretação feminista, ao abordar o ponto de vista dessa personagem (inclusive, o diretor explicou o uso da câmera da mão como uma maneira de aproximar o público da mulher). Mas o filme é conduzido por um caminho diferente, que flerta com o terror e o surrealismo, com violência explícita e simbolismo religioso, o que coloca o filme de Aronofsky mais próximo de cineastas como David Lynch e Roman Polanski (impossível não pensar em O Bebê de Rosemary, ainda mais com a possibilidade de leitura feminista do filme). Na trama, a aparente tranquilidade do casal protagonista é interrompida pela chegada de estranhos em sua casa.
Na coletiva, Aronofsky falou sobre o perigo do que chama de “violência falsa”, e que identifica na maioria de filmes de ação, que não mostram os verdadeiros sentimentos por trás de um tiro, por exemplo. “É preciso trazer a violência com verdade”, afirma. Isso é um dos motivos que tornam “Mãe!” um filme que deve desconfortar a audiência. O roteiro foi escrito com raiva. Mas, se fosse escrito hoje, seria “muito muito muito mais raivoso”, por conta da eleição de Trump. “Como qualquer outra pessoa no planeta, a gente não achava que isso (Trump eleger-se) era possível”, alfineta o diretor, que informa que escreveu o longa-metragem em 2015. “A única vantagem da eleição de Trump é que agora podemos ver o câncer”, conclui o cineasta.
Mãe! chega nessa sexta, 21 de setembro, nos cinemas.
Por Gabriel Fabri