Corpo e Alma
Um romance nada convencional. Essa é a melhor definição para Corpo e Alma, longa-metragem de Ildikó Enyedi. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Berlim, o representante da Hungria no Oscar mostra o flerte entre dois funcionários de um matadouro, conectados por seus sonhos, em que ambos incorporam cervos.
Mária (Alexandra Borbély) é a nova inspetora de qualidade contratada para averiguar a procedência da carne de um matadouro. Reservada, sua aparente frieza ou timidez chama a atenção de todos, especialmente do diretor do estabelecimento, Endre (Géza Morcsányi), inconformado pelo fato de a garota ter classificado seus produtos como de “qualidade B”. Ele é um cinquentão divorciado; ela é uma garota sem o menor traquejo social. Esse casal improvável só poderia mesmo se aproximar por algo sobrenatural: com a investigação policial do roubo de uma substância do matadouro, ambos descobrem que sonham os mesmo sonhos.
O excesso de imagens de bois sendo fatiados, no início do filme, parece estar ali apenas para dar uma contextualização do ambiente de trabalho dos personagens. Mas não é gratuito que os dois personagens sejam, em seus sonhos, aquilo que eles matam para sobreviver. O amor que conecta os dois vem justamente de um certo remorso reprimido – reprimido como os seus desejos sexuais, engolidos pela rotina sem vida e sem graça de seus trabalhos. No sonho, predador vira a caça, e as duas caças conseguem expressar o que socialmente eles não conseguem, ao menos não de maneira menos constrangedora do que encarar os seios de uma psicóloga: atração.
O longa-metragem não tenta ludibriar o espectador, e esse é o seu ponto alto. Ele deve deixar o espectador com uma grande interrogação na cabeça, o que vai frustrar o público de romances convencionais. Afinal, embora conectados pelos sonhos, não há um grande mistério para ser desvendado aqui ou uma grande catarse a ser vivida pelos personagens. A sensação não é que as suas mentes, inexplicavelmente, uniram um casal feitos um para o outro, mas sim, uma união pelas circunstâncias, de duas pessoas necessitadas, com problemas reais de autoestima, em especial Mária, que embora seja uma loira no auge de sua juventude e beleza, aparentemente nunca se iniciou sexualmente. O resultado dessa união não é feliz e nem belo: é algo banal, um tanto melancólico.
Por Gabriel Fabri