Três Anúncios para um Crime – Crítica
Em tempos de desconsolo em que o país encontra-se em uma crise sobretudo moral, em que as artes encontram-se sob a mira do obscurantismo de grupos extremistas e as instituições estão longe de funcionar, o genial longa-metragem Três Anúncios para um Crime chega para lembrar que o ódio não se encontra em alta apenas no Brasil. Dirigido por Martin McDonagh, o filme fala sobre a descrença nas instituições, mais especificamente a raiva diante da impunidade, com o equilíbrio certo entre humor, drama e crítica social. O resultado, premiado como Melhor Filme no Festival de Toronto, é uma obra divertida e politicamente relevante.
Em uma estrada abandonada, três outdoors são alugados por uma senhora, Mildred Hayes (Frances McDormand), cuja filha foi estuprada e depois queimada até a morte nas proximidades. Uma vez que o caso, após meses, continuava sem solução, a mãe alugou o espaço para fazer uma provocação à polícia local, em especial ao delegado chefe, Bill Willoughby (Woody Harrelson). A ação logo é questionada por todos: é culpa do policial que o caso tenha permanecido sem solução?
Além da premissa super original, Três anúncios tem um roteiro complexo e inteligente, que amarra com bom humor e talento vários núcleos de personagens, todos com uma importância muito bem definida para a história. É uma trama envolvente, que mostra como a polícia é ineficaz, seja porque seu trabalho não pode dar conta de tudo (realmente, não existem evidências sobre o assassino), o que resulta em impunidade, seja porque os seus funcionários são seres humanos com sentimentos, traumas, preconceitos e fraquezas – e não heróis, nem monstros.
Parte da força da história se dá também pelo fato de que o público simpatiza e sofre junto com a protagonista, mas sabe que ela não tem razão – até por ter a visão dos meandros da polícia, é fácil entender os outdoors como um grito de desespero. A atuação incrível de Frances McDormand merece destaque, pois sua personagem, tomada pelo ódio, pela busca por justiça que chega perto da linha que a separa da vingança, ganha a simpatia do público, que entende as suas dores – quem, afinal, não está descontente com as instituições democráticas em crise? – mas, também, consegue enxergar que ela é um retrato de um cidadão médio descontente, levada a discursos extremos. Assim, nós temos em Três anúncios para um crime um momento peculiar em que vemos um policial defendendo direitos humanos, frente a essa mãe que é vítima e se leva por discursos fáceis como “bandido bom é bandido morto” – justo a polícia, a instituição violenta que “tortura negros”, como a personagem acusa em rede nacional.
Com a protagonista nos identificamos, mas o filme leva o público a questioná-la, o que deve gerar reflexões sobre a influência do ódio e de seus discursos em nossas vidas. Instigante, engraçado, politicamente relevante, Três anúncios para um crime é um alerta sobre o ódio, o preconceito, e suas consequências. A raiva e a insatisfação certamente podem provocar mudanças, mas são as mudanças que queremos? São temas muito pesados e importantes, que aqui ganham leveza, sem deixar de ser tratados com seriedade. Em suma, é um longa-metragem sobre o ódio, contra o ódio. O final deixa claro: é possível combatê-lo. E o filme, como um todo, deixa claro também: é necessário combatê-lo.
Por Gabriel Fabri
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