Entrevista: “Jorginho Guinle era um sujeito fora da curva”
Membro de uma das famílias mais ricas e influentes do Rio de Janeiro, Jorge Guinle viveu sua vida entre jantares com Presidentes e a companhia de estrelas de Hollywood que vinham se hospedar no Copacabana Palace, um dos hotéis mais luxuosos do Rio de Janeiro e também uma propriedade de sua família. A história desse bon vivant brasileiro é retratada no docudrama Jorginho Guinle – $ó Se Vive Uma Vez, de Otávio Escobar.
Conversamos com o diretor sobre o filme, no qual o personagem é interpretado por Saulo Segreto. Confira:
Pop with Popcorn: Por que escolheu retratar a vida de Jorginho?
Otávio Escobar: O Jorginho Guinle veio a mim pelo Gabriel e a Jorgiana, os filhos dele. Eles queriam retratar a história do pai e imediatamente me apaixonei pelo tema – nossa, o Guinle era um personagem único, não consigo encontrar ninguém próximo dele. Ele teve um passado riquíssimo, escolheu nunca trabalhar, foi invejado provavelmente por 100% da geração dele, torrou todo o seu dinheiro e morreu pobre por um erro de cálculo – não imaginou que viveria tanto tempo. Ele atravessou décadas, e achei uma bela forma de contar também a história do Brasil.
O que a história de Jorginho revela, para você, sobre a história do país e a mentalidade dos brasileiros?
Ele vem de uma época em que, se você falasse para alguém ligado ao café, “um dia o seu dinheiro irá acabar”, eles não acreditariam, era impossível, era muito dinheiro. A família Guinle tinha a concessão do Porto de Santos, ganhavam 20% de tudo o que saia dali. E o Jorge vem dessa época, da República do Café com Leite, e chegou até os dias de hoje.
Quando termina o sucesso dele, junto com toda a possibilidade que ele tinha de viver pelo momento, o hedonismo todo, quando começa a sentir a pressão do acaso, Jorge tenta voltar a viver esse estilo de vida que ele perdeu – e é, ao não conseguir isso, que o espectador percebe o quanto nós mudamos. Por que a tentativa de Jorge é muito reveladora. Posso dizer que Jorge Guinle é um sujeito fora da curva da elite brasileira.
Por que ele é fora da curva?
Porque ele nasceu em berço de ouro e decidiu que não trabalharia um dia sequer na vida. É claro que ele trabalhou, ele levantou a imagem internacionalmente do Rio de Janeiro, mas ele não sabia, ele fez pelo prazer. Um sujeito que escolhe isso ocupa um espaço extraordinário no imaginário coletivo. Quem não gostaria de viver assim? Ou quem não acha que a vida dele foi absolutamente inútil? Não tem meio termo. O espectador não sai do cinema sem uma opinião, a favor ou contra, então eu não precisei julgá-lo. Já bastava colocá-lo sob a análise do espectador.
A história dele me lembra muito O Grande Gatsby, romance de F. Scott Fitzgerald. Você enxerga isso também? Acredita que ele foi um Gatsby da vida real?
Um pouco, porque o Gatsby não nasceu rico e você não percebe a família por trás dele. O Guinle é claro que ele é um herdeiro de uma das famílias mais ricas do Brasil. Mas o que me levou a contar a história na primeira pessoa foi o Woody Allen, em A Era do Rádio, com a vantagem de que eu tinha o discurso de um velho sagaz e experiente para contar essa história (Guinle morreu aos 88 anos em 2004).
Acho importante ressaltar que o Jorge Guinle tinha uma característica que era a resiliência, a capacidade dele de absorver golpes e dissabores, sem demonstrar nada. Era um sorriso permanente no rosto. Mesmo em casa, ele conseguia passar por cima, relativizar. Quando montei o filme, tive cuidado de, ao dar um cacete nele, porque a vida dava golpes nele, levantá-lo logo a seguir, para o espectador respirar. E foi assim até o fim do filme, para o espectador não sair triste do cinema, porque o Guinle sofreu uma decadência, mas tinha sempre a tentativa de se reerguer. A resiliência é uma queda com resistência. A vida de Guinle foi sempre alegria, então, eu queria que o espectador saísse com um sorriso no rosto.
O drama vem acompanhado da tentativa de se recuperar – toda tragédia tem o dia seguinte. Toda vez que você leva uma cacetada da vida, tem a tentativa de se recuperar. E o Jorge Guinle tinha isso. Dá para ver que eu o admirava, né? (Risos)
Como foi o processo de pesquisa do filme? Você teve acesso a diários, anotações dele?
Além das entrevistas que fizemos, pesquisamos centenas de declarações que Guinle tinha dado, notas de jornais antigos, revistas. Centrei muito no Jorge, devo ter lido mais de mil notinhas sociais, dos anos 1940 e 1950. Ele começou a desaparecer das colunas sociais lá pelos anos 1960. Foi uma imersão – ele deu muitas entrevistas e o curioso é que, depois de um determinado tempo, as respostas são as mesmas. Era um personagem que ele incorporou, o do playboy. Ele não era simplesmente um bon vivant, mas tinha um interesse de marketing nessa imagem, era o que ele tinha para vender.
O que mais te surpreendeu durante esse processo?
O que me impressionou foi a decisão consciente dele de não fazer nada, levar uma vida leve, tranquila. Ele achava que só vivia uma vez mesmo, e não fazia sentido qualquer outra coisa que não fosse a busca pela felicidade, pelo prazer. O que é algo no mínimo curiosa. Ele vivia para o momento, pelo momento. Era um fenômeno, um sujeito magnético, encantador.
Mas o que me surpreendeu mesmo foi a resiliência dele. E o fato de, para ele, ser importantíssimo não demonstrar que estava sofrendo. Tem uma frase dele: “Eu escondi a minha falência do mundo inteiro, mas, principalmente de mim mesmo”. Quando ele percebe que não tem mais dinheiro, e não aceita isso, é quase como se ele tivesse assumindo o papel que atribuíram a ele, como um escravo do lazer.
Por Gabriel Fabri
Confira o trailer de Jorginho Guinle – $ó Se Vive Uma Vez clicando aqui.
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