Melancolia
Lars Von Trier recentemente se firmou como o diretor mais polêmico do cinema atual. Na apresentação do filme Melancolia (Melancholia) no Festival de Cannes desse ano, brincou (ou não) sobre fazer um filme pornô com a atriz Kirsten Dunst e ainda fez piada sobre simpatizar com Hitler e ser nazista, mesmo sendo judeu. Na última vez que apresentou um filme no festival causou ao se declarar “o melhor diretor de cinema do mundo” e chocou a platéia ao exibir cenas violentas e pertubadoras.
Seu último trabalho foi realizado numa tentativa de se recuperar de uma depressão intensa que sofreu e esse estado de espírito, trabalhado brilhantemente com o sentimento de culpa em ‘Anticristo’, é o tema central de ‘Melancolia’. Se todo o pessimismo no primeiro era em torno do luto, neste o pessimismo se deve a antecipação da morte com a passagem de um planeta que está cada vez mais perto da Terra.
Dividido em duas partes, a primeira começa com Justine e seu marido chegando recém-casados à mansão da irmã da moça, Claire (Charlotte Gainsbourg, que trabalhou com Trier em ‘Anticristo’), onde será realizada a festa de casamento dos dois, promovida pelo personagem de Kiefer Sutherland (do seriado ’24 Horas’). Toda ação de aproximadamente metade do filme se passa durante a comemoração, acompanhando a personagem de Kristen Dunst na pele da protagonista, aparentemente feliz no começo, mas que logo começa a se mostrar melancólica e incomodada com tudo e com todos, triste com a vida.
Já na parte final, o filme muda de foco, desviando as atenções para Claire, nos dias que antecedem a passagem do planeta perto da órbita da Terra. Aqui as principais questões da obra são levantadas, já que Claire vê a vida do jeito oposto ao da irmã, em que a primeira metade foi focada. Acompanhamos então a aproximação do planeta em meio a diversos meios de ver a vida, que se sabe desde o começo que a dos personagens estaria próxima de acabar.
Uma das grandes qualidades do diretor é a direção de atores. Em ‘Dogville’, a capacidade de Trier em dirigí-los é o grande forte do filme, que não possui efeitos e possui apenas um pacato cenário, como se fosse um teatro filmado. Aqui ele arranca o melhor de Gainsbourg novamente, num papel completamente diferente do anterior, e ainda guia Dunst na melhor atuação de sua carreira, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Cannes. Vários codjuvantes, como a mãe das irmãs, também merecem destaque.
Assim, ‘Melancolia’ é um filme para refletir. Muito do pessimismo de Lars Von Trier está presente e o próprio declarou que a personagem de Kristen foi escrita pensando em si próprio. Embora o pessimismo chame mais atenção, por meio de frases como “a vida na Terra é má. Ninguém sentirá falta dela” e “estamos sozinhos”, o outro lado também tem seu espaço. Desde a abertura que mostra maestriamente cenas que se encaixarão com o final, ambos embalados na trilha de Wagner da ópera ‘Tristão e Isolda’, vemos nas palavras, nos gestos e nos cenários muitos simbolismos que aguçam a curiosidade de quem assiste o filme e promoverão discussões intrigantes após a sessão. A imagem de Kristen vestida de noiva boiando no rio logo na abertura ou mesmo feijões e buracos de um campo de golf parecem significar algo maior nessa obra que, não se contentando em criar discussões sobre a vida, a morte e até a ciência, busca colocar ideias subliminares para acrescentar ainda mais riqueza ao filme, recurso utilizado também em ‘Anticristo’.
É inegável que apesar de suas polêmicas, Lars Von Trier é um dos diretores mais importantes da atualidade. Trier parece não ligar se é amado ou odiado, tendo coragem de fazer filmes sempre únicos e pessoais, e muitas vezes desagradáveis. Mas Melancolia não é um filme desagradável: é tão bonito de se assistir quanto a um romance. Transformar a aproximação do fim do mundo com pessimismo em um filme assim é coisa de mestre, e um dos grandes.
A atriz Charlotte Gainsbourg é filha de Serge Gainsbourg, que teve sua biografia retratada no filme ”O Homem Que Amava As Mulheres”. Confira a minha crítica no link: http://bit.ly/nSsv11
Uau,que comentário consistente. Parabens
Wan
Pouco polemico esse Lars Von hein …
ótima critica , ainda não sei se irei ver esse filme estou indeciso…
acabei de voltar da sessão, assisti no espaço unibanco com meu pai! fila enorme e correria pra pegar o melhor lugar hahaha. a sala tava lotada.
não consegui parar de pensar – durante todo o filme -, em como ele é a definição perfeita de Antitrama, um conceito que aprendi num livro que estou lendo pro vestibular da eca, "Story", do Robert McKee (o cara é simplesmente o professor de TRINTA E TRÊS ganhadores de Oscar de melhor roteiro). eis a definição: "As antitramas não estão nem aí para os princípios tradicionais. Nas antitramas as coisas acontecem simultaneamente, o tempo pode ser o da consciência de cada um e a realidade é mais ou menos como a sentimos"
não que o filme seja um desvario sem pé nem cabeça tipo os filmes mais radicais do Godard (Weekend, o filme mais antitrama de todos que já vi), mas nele a gente percebe como o Lars Von Trier tentou (e conseguiu) passar toda uma série de questões subjetivas e por vezes inomeáveis através de tomadas longas, detalhadas, aquele foque-desfoque, o azul onipresente…
eu adorei o filme, mas gostei mesmo foi da direção de arte.
e última cosa: parabéns fabrócolis, essa é sua melhor crítica! até agora… já vejo onde isso tudo vai dar. você é incrível!
Vou ver se confiro essa semana, sei que o filme pode ser muito transformador pra mim – não sou fã de Trier, mas adoro "Anticristo" e "Dogville". Um abraço e parabéns pelo texto!
cheguei há pouco do cinema, ainda impactada pela melancholia… sim, é uma antitrama… não sei se chamaria o filme de pessimista, ele me parece, antes, uma alegoria da solidão constitutiva do humano, daquele ponto azul dentro de nós que é sempre inatingível pelo outro… na verdade, acho que há até um recado um pouco otimista no final: quem sabe, no fim da vida, no momento imediatamente antes da morte, o laço amoroso possa nos fazer sentir, finalmente, não sós… enfim, não sabemos… mas podemos fazer muita poesia com essa ideia, e todo o filme me soou assim: poesia em imagens… imagens belíssimas, aquela luz azulada que permeia tudo, as duas atrizes muito bem – gainsbourg melhor que krisnte dunst, na minha opinião… e o prelúdio de "tristão e isolda" ainda está ressoando em mim, como um lindo resumo dessa fábula que, como a tbm trabalhada por wagner, trata de amor e morte!
fabri, seus textos estão ficando cada vez melhores, continue! abço
Cara, é o Rafael,tava meio na dúvida, agora fiquei com vontade de ver, quando tiver tempo to indo. O blog ta ficando cada vez mais profissa!
P.S- fiquei afim de ver o próximo filme do Lars também, aquele que ele pode fazer(ou não).Heehehehe, abração.
Achei bastante interessante seu ponto de vista, conseguiu abordar o filme completamente, e se parece um pouco com a minha forma de ver o filme.
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http://ocarvel.blogspot.com/2011/08/melancolia-de-lars-von-trier-e-um.html
Quando fui assistir este filme estava acompanhado por pessoas da área de psicologia, e após a sessão começamos a abordar o filme pelo viés da filosofia e fazendo alguns paralelos com o surrealismo, daí resolvi escrever algo sobre o filme no meu blog. Dá uma sacada ai http://niilismodeverao.blogspot.com/2011/08/tema-deste-texto-e-o-filme-melancolia.html , pois gostei de sua abordagem, mas com certeza vc vai ficar com muita raiva por eu não ter falado, em minha abordagem, sobre Charlotte Gainsbourg,pois ela arrasou neste filme 🙂
E só pra constar… eu conheço o cara da postagem antes da minha 🙂
Tia Rê disse:
Parabéns!!! Você está escrevendo incrivelmente bem.Texto claro, pessoal,gostoso de ler. Fiquei feliz e emocionada, meu príncipe.Você cresceu!