Incompreendida
Quando ficamos adultos, pode ser comum olharmos para a nossa infância e desejar ser criança novamente, uma época em que tudo era mais simples. Mas de vez em quando aparece um filme como o italiano Incompreendida, de Asia Argento (Scarlet Diva), para demolir essa ilusão de que, em algum lugar no passado, há um conforto de uma vida com poucos problemas.
Na trama, Aria (a excelente Giulia Salerno) é a filha mais nova de uma família instável. Seu pai (Gabriel Garko) é um astro famoso do cinema, vencedor do Oscar e um sujeito pavio curto, que liga apenas para a filha mimada de seu primeiro casamento. Sua mãe, interpretada por Charlotte Gainsbourg (Ninfomaníaca), é uma pianista alcoólatra e que sai com diversos homens estranhos – ela também tem uma filha favorita, e não é Aria. Assim, a garota de apenas nove anos conta apenas com a amizade de Ist, sua melhor e única amiga, considerando-a uma espécie de irmã gêmea. Com o divórcio de seus pais, Aria tem a doce ilusão de que as coisas podem começar a melhorar para ela – entretanto, a sua invisibilidade no mundo acaba ficando cada vez mais clara.
O longa-metragem tem uma história criativa, mas que acaba se perdendo no desenvolvimento. O resultado é um filme arrastado, mesmo com o notável esforço da atriz mirim no papel principal. Os problemas são grandes: os coadjuvantes, principalmente os pais e a irmã mais velha, são exagerados demais, e acabam cansando; há uma subtrama com relação ao comunismo que não faz o menor sentido, e está em cena, ao que parece, só para fingir uma crítica política onde não há; o uso das cores – que o pai da diretora, o cineasta de horror Dario Argento, usa como ninguém (o maior exemplo é Suspira, 1977) – incomoda, com a fotografia exageradamente escura e alguns momentos de pouca criatividade, como na hora de Aria dar um discurso de agradecimento.
Em alguns momentos, entretanto, Incompreendida mostra que não é de todo ruim. O mais emblemático é o clímax duro, só com as crianças, que vai deixar o público refletindo sobre a crueldade da infância, um dos temas centrais desse longa-metragem. E o recado literal de Aria na cena final, dirigido diretamente ao espectador, encerra com chave de ouro esse filme irregular, um pouco exagerado, bastante arrastado, mas que tem lá os seus momentos. A história é boa, mas faltou sofisticação.
| Gabriel Fabri