Destacamento Blood – Crítica
Novo filme de Spike Lee, diretor de Infiltrado na Klan, Destacamento Blood chega à Netflix
Dentro da atual conjuntura e das tensões que estamos vivenciando nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo, Destacamento Blood chega na Netflix na condição de uma obra devastadora. O novo longa de Spike Lee (Infiltrado na Klan) mais uma vez traz a questão racial para o centro da discussão, porém agora o pano de fundo é a Guerra do Vietnã e as marcas deixadas em quem a presenciou.
O filme foca em um grupo de veteranos do Vietnã – o destacamento que dá nome ao longa – que volta ao país do sudeste asiático para uma, literalmente, caça ao tesouro. Se a premissa de Destacamento Blood está em seus personagens, o seu maior mérito está no desenvolvimento deles. Spike Lee consegue colocar em suas trajetórias diversas questões dos danos causados pelo conflito em cada indivíduo. O personagem Otis, por exemplo, é um homem equilibrado, porém que ainda tem contato com a namorada vietnamita de décadas atrás. Já Paul vai no extremo oposto: neurótico e traumatizado, tem grandes problemas com a família e brutais crises de fúria e ansiedade, causadas pelas culpas e memórias de guerra.
Os quatro veteranos, porém, sentem uma saudade nostálgica e quase deificada de Stormin’ Norman, brilhantemente interpretado por Chadwick Booseman. O personagem é apresentado como um herói santificado que faria o rei T’Chala ter inveja: um líder implacável, tanto na força quanto na sabedoria, capaz de servir de bússola moral aos personagens mesmo tendo morrido há mais de 40 anos.
O filme inova também em seu formato, mais especificamente em técnicas de fotografia e montagem. Vemos mudanças brutas e propositalmente perceptíveis na proporção da tela, oscilando entre o formato clássico de TV (retratando o passado, ainda na guerra) e o widescreen (para os dias atuais). Tais recursos poderiam não funcionar em uma tela de cinema, porém combinam completamente com o LCD de um notebook. Dessa forma, diferentemente de outros cineastas que estavam produzindo para streaming, porém pensando em telas de cinema, Spike Lee inova em pensar técnicas e efeitos alinhadas a plataforma de exibição de sua obra.
Já as tonalidades e tratamento de imagem da fotografia ora aposta em imagens cheias de ruído – remetendo aos anos 1960 – ora em imagens limpas – retratando os tempos atuais. Em todos os momentos, porém, Destacamento Blood se utiliza de tons lavados, algo que pode incomodar certa parte do público. A trilha sonora de Terence Blanchard segue eficiente, principalmente na hora de musicalizar as cenas de conflito de um passado próximo.
Embora o filme esteja focado no tratamento recebido pelos veteranos do Vietnã, principalmente os negros, os danos causados no povo e nas terras do país asiático também são trazidos ao centro da discussão. Fica evidente um legítimo e permanente ressentimento do povo vietnamita em relação aos Estados Unidos. Uma dor que gera diversas e diferentes tensões ao longo de Destacamento Blood. Além disso, os danos permanentes da guerra não estão apenas na cultura vietnamita, mas literalmente em seu solo. Campos minados não foram desativados, causando acidentes brutais, mutilações ou mesmo óbitos até os dias de hoje.
Há também, como é comum na obra de Spike Lee, muita ironia, principalmente nos atritos entre os personagens. Além dos americanos, vietnamitas e franceses também têm papel importante na narrativa, principalmente na eclosão de pequenos e grandes conflitos. Ou seja, os colonizadores, os invasores e os colonizados/invadidos estão retratados no enredo, referenciando a história do Vietnã.
Spike Lee acerta mais uma vez e faz, em Destacamento Blood, um filme poderoso, desta vez mostrando como os Estados Unidos mandaram jovens para simplesmente morrer em uma guerra imoral. Já, para os sobreviventes, ofereceu a total negligência, principalmente para os soldados negros.
Por Caio Shimidzu
Confira o trailer de Destacamento Blood abaixo:
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