A Criança da Meia-Noite
Quando uma doença não tem cura, mas com cuidados o paciente pode ter uma vida “saudável”, o quão próximo um médico pode ficar de seu paciente? David (Vincent Lindon) é um doutor que cruzou a linha tênue que separa vida pessoal e trabalho, família e clientes. E as consequências dessa confusão interna estão prestes a vir a tona.
Inspirado em “Os Outros” (“The Others”, 2001), com Nicole Kidman, em que as crianças não podem sair de sua casa por terem uma rara doença genética em que não podem receber radiação ultravioleta, a radiação solar, o filme francês “A Criança da Meia-Noite” (“La Permission de Minut”), escrito e dirigido por Delphine Gleize, traz a doença sobre outra ótica no personagem Roman (Quentin Challal, sobrinho da diretora), que tem uma grande amizade com David, seu médico desde o nascimento. Entretanto, o doutor deve achar um modo de contar ao adolescente que aceitou um cargo na OMS e irá mudar de país, o que obviamente desencadearia numa separação definitiva entre os dois amigos.
Com tamanha relação entre os dois, fica difícil para o profissional revelar sua mudança para o garoto, que não tem muitos outros amigos e tem dificuldades de fazer amizades pelas suas limitações. Acompanhamos então o companheirismo dos dois e paralelamente o dilema do médico e as dificuldades e superações do garoto diante a adolescência e a sua doença. Quentin não poderia estar mais perfeito para o papel, já que o personagem foi criado especialmente para ele, mas é Vincent Lindon que rouba a cena e faz o público identificar-se.
Com um enredo tão delicado, é de esperar uma obra carregada de emoção sobre doença e separação. Mas o filme vai além, passando longe da melancolia que um bom filme sobre doentes certamente traz, seja nas dores ou nos momentos de superação, como o recente “Uma Prova de Amor”. Aqui, o destaque se dá por conta de uma história de amizade em meio a tudo isso, mesmo sendo uma amizade de certa forma antiética e prestes a acabar (pela saída de David da França). Não espere chorar ou se emocionar: é bonito em alguns momentos como o menino supera suas dificuldades, mas não ao ponto de provocar sentimentos fortes na platéia. Quem mais deixa a platéia sensível não é o garoto, ironicamente, e sim o seu médico, e o filme acaba sendo mais focado nele: o filme se revela mais sobre um médico perdido na vida pessoal que se apegou a um paciente que compartilha de vários sofrimentos com ele, do que um filme sobre um menino privado de várias coisas da vida.
Assim, o mérito do filme é focar no personagem de Vincent Lindon e seus dramas, mais universais que os do garoto, sem, é claro, menosprezar sua doença e suas dificuldades, abrindo espaço para ambos núcleos serem trabalhados de maneira apropriada. O resultado final é fofo e amizade dos personagens, com quase quarenta anos de diferença entre os dois, digna de aplausos, assim como a obra em si. Só seria mais impactante se provocasse algumas lágrimas no final, dando uma maior carga dramática para ser mais marcante nos espectadores.