Titane
Vencedor do Festival de Cannes, Titane, de Julia Ducournau, inspira-se em Crash – Estranhos Prazeres, de David Cronenberg
Após o ousado Raw, terror adolescente com toques de canibalismo, a diretora Julia Ducournau entrega mais uma obra estranha, que conquistou a Palma de Ouro, o prêmio máximo do Festival de Cannes. Claramente inspirado em David Cronenberg, em especial no clássico Crash – Estranhos Prazeres, Titane traz elementos do body horror, ou “horror corporal”.
A trama se divide em duas partes. A primeira mostra Alexia (Agathe Rousselle) como uma popular modelo em um evento de automóvel, que lembra a ambientação das rachas clandestinas nas ruas dos primeiros filmes da franquia Velozes e Furiosos. Ela, entretanto, tem o hábito de cometer assassinatos. Na iminência de ser descoberta, e ainda por cima grávida, Alexia decide se passar por Adrien, um garoto que desapareceu na infância, e vai morar com o pai do garoto, interpretado por Vincent Lindon.
Titane chama atenção pela estética vibrante, meio O Demônio de Neon, também um filme com as suas bizarrices. Entretanto, como já era de se esperar de um filme da mesma diretora de Raw (obra que recomendo no meu livro Fora do Comum – Os Melhores Filmes Estranhos), o longa-metragem provoca pelo grotesco, ao elevar a questão da relação homem versus máquina de Crash – Estranhos Prazeres a outro nível: não sabemos de quem Alexia está grávida, mas, ou a placa de titânio de sua cabeça está interferindo no seu corpo e na sua gestação, ou, na única cena de sexo que vemos, Alexia tem relações com um carro. Estaria ela esperando o filho de uma máquina?
A questão da aceitação dos nossos corpos é central em Titane, que traz elementos do horror corporal (também algo que Cronenberg trabalhou em filmes como A Mosca), um horror que vem de dentro, que provoca mutações no próprio corpo. A mutação aqui é a gravidez de Alexia, ou mesmo os efeitos do titânio em seu corpo. O fato da protagonista estar se passando por um homem também fala de aceitação, mas da parte do pai de Adrien, que nunca superou o vazio deixado pelo desaparecimento do filho, e prefere acreditar na mentira de que ele voltou, tentando moldar Alexia à sua semelhança. Dessa relação esquisita, de falsos pai e filho/filha, surge a força do filme, que mostra dois personagens ambíguos e imperfeitos tentando manter as aparências, mais para si próprios do que para os outros.
Com dose certa de sensibilidade, complexidade e camadas para discussão, Titane colocou a diretora Julia Ducournau como um grande nome para ficar de olho. É um filme bastante interessante e incomum, mas que deixa muitas pontas soltas, principalmente se tratando das consequências da violência do primeiro ato.
Por Gabriel Fabri (@_gabrielfabri)
Jornalista, especializou-se em Cinema, Vídeo e TV pelo Centro Universitário Belas Artes. Colaborou com Revista Preview, Revista Fórum, Em Cartaz e com o livro O Melhor do Terror dos Anos 90 (Editora Skript). É autor de Fora do Comum – Os Melhores Filmes Estranhos e O Pato – Uma Distopia à Brasileira.
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