Raw
Uma garota acaba de entrar na faculdade de veterinária e, na sua primeira semana de aula, é coagida a comer um rim de coelho para ser aceita entre os veteranos – entre eles, está a sua própria irmã mais velha. O detalhe: a garota é vegetariana e logo começa a ter reações alérgicas após engolir o pedaço de carne. Essa é a premissa do filme francês Raw (Grave), de Julia Ducournau, que chega ao Brasil diretamente na Netflix. Exibido no Festival de Cannes, o longa-metragem provocou desmaios quando exibido no Festival de Toronto.
Embora a premissa traga o tema do trote estudantil, o longa-metragem não explora tanto o universo de humilhações e problemas sociais que marcam a vida de adolescentes mais reservadas, como a personagem Justine (Garance Marillier), no mundo todo. O foco, aqui, são as transformações do corpo, mas não apenas as da idade, uma vez que o corpo da garota sofre uma transformação especial: ela começa a sentir desejo por carne, qualquer carne, inclusive humana. Descobrindo esse novo desejo, Justine aproxima-se de sua irmã, Alexia (Ella Rumpf), e de seu colega de quarto, Adrien (Rabah Naït Oufella).
Com o toque de bizarrice que um filme com tema de canibalismo inevitavelmente traz, Raw esforça-se para ser uma obra diferente, mas lhe falta ousadia para se tornar mais que um entretenimento passageiro. A decisão de Ducournau de focar na jornada de experimentações de Justine é certeira, uma vez que leva o filme para caminhos que não a julgam pelo desejo por carne humana, nem sequer esboçam uma defesa do vegetarianismo. O longa-metragem trata com naturalidade o desejo dela por carne (humana), o que explica o fato de que, vendido como terror, o filme tem raros momentos que flertam com esse gênero – em especial, uma simples mas incrível sequência debaixo de um lençol.
Falando sobre desejo e experimentações, Raw é um filme estranho, que tem sexo entre pessoas que não se atraem um pelo outro, uma relação entre irmãs um tanto esquisita e dedos sendo decepados e comidos. Fica a sensação de que poderia ter sido algo mais: a explicação para o canibalismo era óbvia, e o ambiente universitário de Justine não tem nenhum grande desafio para a personagem, além do inferno básico para uma pessoa tímida e esquisita (ela come carne humana!) se enturmar. A crueldade desse ambiente, presente em alguns detalhes, poderia trazer um ambiente mais sufocante para a personagem e para o público, além de outros desafios para a personagem.
Por Gabriel Fabri