O Processo – Crítica
Um show de horrores, uma tragédia anunciada, uma comédia involuntária, um tribunal de exceção cínico ou simplesmente mais uma sessão do Congresso Nacional. Qualquer uma dessas definições para o processo de impeachment que destituiu Dilma Rousseff em 2016 está correta. A documentarista Maria Augusta Ramos, porém, preferiu defini-lo como um ritual kafkiano. É o que sugere o título O Processo, filme no qual ela registra os bastidores de Brasília durante os meses que antecederam a votação no Senado que colocou Michel Temer na Presidência da República. O nome faz alusão a uma das mais famosas obras de Kafka, na qual um homem acorda um dia e de repente é processado, em um tramite que beira o surrealismo.
Seguindo a vertente do documentário de observação, a diretora optou por apenas registrar os acontecimentos a que tinha acesso, sem realizar entrevistas com os personagens. Assim, acaba focando nos senadores do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, hoje a presidenta do PT, e Lindbergh Farias, ambos liderando a defesa de Dilma.
Diante da impossibilidade de retratar tantos acontecimentos em tão pouco tempo, alguns personagens essenciais da história ficaram de fora: Romero Jucá e Aécio Neves, por exemplo, não têm o seu papel explorado, e o primeiro aparece apenas com a frase da sangria, sem ao menos o documentário citar que aquele seria ministro de Temer e líder do governo. Não é a única informação importante deixada de fora. Entretanto, o filme consegue construir uma narrativa clara e complexa e acerta ao focar a personagem de Janaína Paschoal, a única que não é política nessa história toda. Relatora da acusação, a advogada é retratada tomando Toddynho de canudinho, como uma criança, e conversando sobre temas religiosos, como a proibição ao aborto. Pode parecer desnecessário, até uma tentativa de ridiculariza-la, mas faz parte da construção dessa personalidade, deslocada aos poucos para o centro do filme.
O Processo faz questão de deixar claro os lados da acusação e da defesa quanto ao impeachment – o que torna claro o caráter golpista da situação, uma vez que o ridículo da acusação que derrubou a presidenta eleita é exposto à exaustão. Em suma, três decretos dentro da legalidade não poderiam ser considerados crime de responsabilidade, ou mesmo um crime comum. E Janaína, com sua personalidade única, entra no filme como o símbolo das contradições não só da oposição quanto da sociedade que embarcou na campanha do golpe: ela mesmo diz, no momento mais marcante do filme, que se Dilma fosse derrubada apenas por esses decretos pareceria mesmo um golpe – e não foi exatamente por eles que ela foi derrubada?
O filme é angustiante para quem acompanhou de perto o impeachment e, agora, revive em duas horas todo o nervosismo do momento. Por isso, o documentário talvez seja mais interessante para quem não acompanhou muito de perto ou ainda para quem foi a favor do impeachment. Os primeiros ficarão chocados com a maluquice da situação, enquanto os outros terão suas crenças provocadas – afinal, diante da fragilidade da acusação, a imprensa pouco explorou a defesa da presidenta eleita.
Maria Augusta Ramos consegue captar o clima de histeria em Brasília, além de organizar de forma clara o registro do golpe dado no Congresso. Faltam alguns buracos para serem tapados, e alguns momentos brilhantes da defesa de Dilma ficaram fora da edição. Entretanto, como registro de um momento histórico, a documentarista consegue construir uma obra rica, irônica, que não perdeu de vista os interesses políticos em jogo, nem os momentos mais especiais, como a troca de uma campainha ou aquelas frases que devem ficar registradas para sempre na memória, seja o “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”, seja as pérolas do tipo “não sei se ela é honesta, mas sei que ela mente”.
Por Gabriel Fabri
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