Ana. Sem Título – Crítica (44ª Mostra Internacional de Cinema)
Dirigido por Lucia Murat, Ana Sem Título integra a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Integrando a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme dirigido por Lucia Murat e livremente inspirado na peça “Há mais futuro do que passado” é do tipo que gostaríamos que não fosse necessário. Ana Sem Título traz à tona toda a barbaridade cometida contra artistas, contra militantes, contra mulheres, contra negros, contra gays. Se cada conflito individual já é cruel o suficiente, imagine quando todas essas categorias são interseccionadas. Essa reunião de indicadores acontece na personagem Ana: mulher-negra-artista-política.
Ana é a linha condutora do longa-metragem. Vamos descobrindo suas características junto com a protagonista do filme, Stela (Stella Rabello), que quer saber quem é a brasileira misteriosa citada em várias cartas de artistas latino-americanas no período das ditaduras militares no continente americano. Stela viaja para alguns desses países – como México e Argentina – atrás dessa mulher tão aclamada em tais trocas de mensagens, mas que não se sabe o sobrenome dela, se ainda está viva ou ao menos a totalidade do próprio legado artístico.
“É provável que a ficção contenha aqui mais verdade que os fatos.” – é a frase de Virginia Woolf mencionada por Stela com a qual Ana Sem Título vai se comprometer ao longo dos mais de 100 minutos. A história inventada é contada através da linguagem de documentário, trazendo fatos junto a narrativa – o que faz nos perguntar a todo minuto se o enredo realmente não faz parte da realidade histórica. Todos os acontecimentos explorados no longa-metragem são plausíveis de terem acontecido, com qualquer pessoa que não se sentisse satisfeita com a situação política e que resolvesse se impor contra o que transcorria (da maneira que fosse).
O filme dá um panorama sobre a situação política da América Latina nos anos 1970-1980, com destaque para ícones femininos como Antonia Eiriz, Maria Luiza Bemberg, Lea Lublin, Victoria Santa Cruz, além das Madres de la Plaza de Maio, movimento que eclodiu na Argentina durante a ditadura militar nos anos 1970. Mulheres reais e potentes que viveram o cotidiano em que a Ana ficcional viveu e sofreu – seja por seus ideais, seja por sua arte, seja por ser mulher ou tudo isso junto.
O contexto de autoritarismo e violência nos remete a momentos muito próximos dos atuais em que homens homenageiam homens torturadores em meio ao palco da política nacional. Situação contemporânea em que pessoas têm falas preconceituosas, agressivas, fascistas e que quase nunca são repreendidas pelo Estado. A ponte com o dia-a-dia do século XXI é vista com facilidade.
A narrativa não duvida da inteligência do espectador e não dá informações de mão beijada, algo que faz prender a atenção. Toda a história em Ana Sem Título é muito bem construída, incluindo o desenrolar dos acontecimentos, a trilha sonora, as inserções de performances e as entrevistas. A sensação ao final do filme de Lucia Murat é a de fomos nocauteados com a potência da narrativa.
Ana. Sem Título está em cartaz na 44. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e só poderá ser visto até o dia 08 de novembro.
Por Ana Carolina Garcia
Assista ao filme acessando o Mostra Play clicando aqui. Assista ao trailer do filme abaixo:
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